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domingo, 8 de outubro de 2017

DIÁRIO DE VIAGEM - AMAZÔNIA

Habitantes naturais da Amazônia, indígenas e ribeirinhos compõem as centenas de comunidades que vivem na floresta nos dias de hoje. Dependentes da pesca, caça, colheita e agricultura de subsistência, essas comunidades não conseguem ser totalmente autossustentáveis. Vulneráveis a doenças e distantes de uma educação de qualidade, a vida nesta região é precária nos moldes atuais.




Todo mundo tem uma imagem formada acerca da Região Norte do Brasil. Pra muita gente esse é um lugar distante, inóspito e selvagem; um lugar onde o progresso ainda não chegou; uma região que mantém suas características naturais, reunindo beleza e encanto. No geral, os moradores dos grandes centros urbanos enxergam essa parte do país como um grande tesouro, um lugar cheio de riquezas que precisa ser preservado e usado a favor de toda nação. É com esse tipo de ideia que pessoas desembarcam nessa imensidão verde. Todos chegam um pouco assustados, deslumbrados e, às vezes, um tanto sonhadores. As pessoas chegam querendo trazer mudanças, fazer revoluções, mudar conceitos, ensinar novos costumes, tudo um pouco parecido com o que faziam os antigos colonizadores europeus.
Comigo não foi diferente, passei pelos estados do Amazonas, Roraima, Rondônia, Acre, Amapá e Pará. Observei muitas pessoas perplexas com o que viam e ouviam. Para nós da cidade grande, o que acontece aqui na Amazônia é tudo muito estranho e bem esquisito. Sei que é realmente difícil entender esse modo de ver a vida e fazer as coisas, principalmente para aqueles que têm uma visão baseada apenas nos filmes românticos, comerciais e nos documentários indígenas/ ecológicos que a mídia mostra.
É certo que na Amazônia não há nada parecido para quem nasceu em ambientes urbanos bem desenvolvidos. Mas, pra quem chama essa parte do país de “Terra Natal” isso tudo é simples e normal. O estranho é conseguir viver nos centros urbanos, cheio de carros, edifícios imensos, poluição, amontoado de pessoas correndo, sem tempo pra nada. Para os moradores locais acostumados com o ritmo lento e tranquilo da floresta não há atropelos e sobressaltos.
_“Aqui é assim, às vezes a maré vai prum lado e depois vai pro outro. De vez em quando tem uma ventania, o rio se agita, chegam às marolas mais fortes, mas logo tudo se acalma, tudo volta ao normal”, narra tranquilamente um morador local.
Quem nasce aqui já está bem acostumado com o ritmo lento e um pouco atrapalhado da Amazônia. Contudo, pra quem é de fora, que vem da cidade grande, tudo isso é bem diferente, tudo é novidade!
Fiquei trinte e nove dias viajando pela floresta, embrenhando no matagal, subindo e descendo rios de barcos, dormindo em redes, acampando na beira dos rios ou em alguma vila ribeirinha. Nada pior do que os mosquitos, esses seres demoníacos assassinos.
E o tal do Candiru, um pequeno peixe que assusta. São tantas histórias e “causos” sobre ele. Amedronta muito mais que as piranhas, anacondas, jacarés ou poraquês (peixe elétrico). Na floresta, jamais  deve-se deitar no chão "nu", pois pode encontrar vários criaturas peçonhentas ou não, como artrópodes, répteis e anfíbios. Afinal estamos no meio natural, a terra é deles e nós somos os invasores.
Em determinados momentos passava-se lama nas partes do corpo que ficavam sem proteção ( braço, pescoço, rosto), para impedir os ataques dos insetos. Cuidado com as formigas tucandeira/tocandira, sua picada causa uma dor lancinante, extremamente severa. A qual senti na própria pele. Era como algo pontiagudo e quente penetrava a carne rasgando, toda área picada ficou latejando. A dor persistiu mais de 12 horas. Um simples e pequeno inseto mostrou-me como nós seres urbanos, somos vulneráveis em ambiente inóspito,
A saudade da vida urbana, as risadas, as aventuras, as situações engraçadas, o aprendizado com a simplicidade e humildade dos moradores locais, a solidariedade compartilhada, são essas coisas que vão importar realmente. Para se viver bem na Amazônia é preciso que essas coisas permanecerem acessa na nossa alma. É difícil saber ao certo qual o ponto de equilíbrio, qual o intervalo ideal que possa unir desejos e possibilidades.
Observo um ponto azul brilhante como numa safira, numa folha de bromélia. Chego mais próximo e percebo que era um rã dendrobrates (extremamente venenosa). Este pequeno anfíbio ( uns 3 cm no máximo) tem um dos venenos mais poderosos da natureza. Queria muito coloca-lo na palma da mão. Mas por questão de segurança, não levei adiante esta ideia.
Deitado na rede, descansando e revolto aos pensamentos, observo uma Jequitiranaboia camuflada pelo mimetismo. Conhecida pelo mateiro como cobra voadora. Olhando bem de perto ela parece um réptil, sua cabeça lembra mais um jacaré do que uma cobra. Segundo o mateiro, era para ter muito cuidado. Acredita-se que se uma pessoa é “ferroada”, ela deve ter relações sexuais em menos de 24 horas. Ou então morrerá. Sua picada é afrodisíaca. Ri muito ao saber desta lenda. Expliquei que o inseto é totalmente inofensivo, alimenta de seiva da árvores. Coloquei ele na mão para provar. Quando virei o mateiro estava bem longe de mim. Disse a ele que a história do antídoto deveria ser desculpa que algum jovem utilizou para levar as meninas "pra cama".
A noite entra com todos seus mistérios. Olha-se para o céu e vê estrelas brilhantes, é uma visão fantasticamente imensurável. Acende-se uma fogueira para espantar os mosquitos e outros seres fantásticos. São tantos barulhos desconhecidos que chega a arrepiar os cabelos. Escuta um som parecido com grito. O ribeirinho diz: 
-¨Cuidado pode ser o mapinguari”(uma criatura lendária da Amazônia). Ele levanta pega mais madeira para aumentar as chamas.
O mateiro, explica:
–“O fogo espanta todas as almas perdidas na floresta, tem de alimentar a fogueira”.
Viram que fiquei desconfiado, riram muito. Por fim revelou-se que a sonorização pertencia a um macaco, o bugio.
O segredo do sucesso nessa região passa por uma adaptação, uma reavaliação de valores, conceitos e metas. Viver em harmonia com a Amazônia é um caminhar que deve unir a busca de resultados e a satisfação do espírito. Quem quer ser feliz nesta vastidão verde precisa labutar com afinco, sem deixar de valorizar o lado humano, o companheirismo, os sentimentos e os sonhos.  É por isso que quem vem de fora acaba estressando mais do que deveria.
Depois de um dia longo, úmido e quente, o cansaço bate. A saudade surge, lembra-se de uma cama confortável, um chuveiro quente e jantar gostoso. Mas aqui no meio do nada, toma-se banho de rio, dorme-se na rede ou numa cama improvisada. Come-se o que pesca ou caça. Sinto o cheiro do feijão cozido e o peixe assando. Um copo de cachaça é passado de mão em mão.
_Bebe, é para matar as “mardade” do dia, ajuda a dormir melhor.
Um nativo abre seu embornal retira um vidro e vira em minha direção.
_ "Quer conhecer os espíritos da floresta? Bebe um pouco. É ayahuasca."
Ayahuasca é uma bebida produzida a partir da combinação de um tipo de cipó com um tipo de arbusto que, ao ser tomada, produz um efeito psicoativo, ampliando a percepção e a capacidade de autoanálise, possibilitando acessar níveis psíquicos subconscientes. Muito usado pelos Xamãs.
Conheço meu limites, até porque a experiência vivida ali envolveria muita confiança nas pessoas ao meu redor.
Na manha seguinte, levantamos acampamento pegamos o barco e voltamos para civilização. Foi uma aventura que passou dos níveis da imaginação. Alguns devem achar dantesca. Porém foi a realização do sonho de um pesquisador irrequieto e curioso pelo desconhecido, onde todo dia é uma surpresa diferente.

Um comentário:

  1. Interessante relato, passei alguns dias na amazônia, mas não vivi tudo isto

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