Se você gosta de História, é possível que tenha ouvido falar sobre
casos de animais que teriam sido condenados durante a Idade Média por cometer
crimes — como devorar plantações e atacar humanos desavisados, por exemplo. Os bichos são nossos amigos, nossos servos,
nossa comida. Mas, na Antiguidade e na Idade Média, foram também santos,
bruxos, políticos - e até bandidos.
INCITATUS: O CAVALO QUE QUASE FOI SENADOR
O Imperador Calígula, que reinou
em Roma entre os anos 37 e 41, tem fama de cruel e insano. Mas não se pode
dizer que tenha sido maldoso com os animais. Não com os seus, pelo menos.
Calígula tinha uma grande tropa de cavalos, dos quais gostava muito. O
principal era Incitatus (nome que significa “O motivado”), que tinha 20
funcionários cuidadores ao seu dispor. Calígula mandou construir uma pequena
torre de mármore e marfim para servir de estábulo ao animal, e fazia de tudo
para não estressar Incitatus. Até mandar a guarda imperial aquietar a
vizinhança nos horários em que o cavalo estava dormindo. Calígula adorava
Incitatus, e frequentemente almoçava ou jantava na companhia dele. O cavalo
comia a mais fina cevada e alguns grãos selecionados, mas também há indícios de
que o imperador o tenha alimentado com vinho e diversas carnes. Além de ser
bem-tratado, o bicho tinha um futuro brilhante pela frente: Calígula queria
nomeá-lo senador de Roma. É bem possível que a conspiração que resultou no
assassinato do imperador, no ano 41, tenha sido estimulada por essa desonra (os
políticos teriam se enfurecido ao se ver equiparados a um cavalo). Alguns
historiadores afirmam que Incitatus foi morto na mesma ocasião.
O PAPA GREGÓRIO 9º E O MASSACRE DE GATOS
Gregório 9º era um homem
conhecido pela bondade. Mas logo ao ser eleito papa, em 1227, mostrou seu outro
lado. Ele foi diretamente responsável por uma cruel caçada de hereges na
Alemanha e pela criação de uma “central de treinamento” de inquisidores em
Roma. E também odiava animais, em especial os gatos. Embora jamais tenha
assumido isso com todas as letras, o papa redigiu um documento oficial, em
algum momento da década de 1230, dizendo que os felinos, em particular os gatos
pretos, eram encarnações do diabo e tinham a ver com rituais de bruxaria.
Imediatamente após a divulgação do documento, os europeus mergulharam em um
frenesi de violência contra os pobres bichos. As declarações do papa, aliadas
ao fato de que algumas regiões periféricas da Alemanha e da Inglaterra ainda
cultuavam gatos como divindades pagãs, estimularam um dos maiores massacres de
animais da história. Ao longo de décadas, gatos de todas as partes do
continente, independente de cor ou procedência, foram brutalmente mortos em
fogueiras, espancamentos e enforcamentos públicos. Gregório jamais se
pronunciou contra esses atos de violência – possivelmente porque estava
satisfeito com eles. E até hoje, quase 800 anos depois, o preconceito contra
gatos pretos ainda existe.
A grande vingança felina
A Peste Negra, uma epidemia de
peste bubônica causada pela bactéria Yersinia pestis, assolou a Europa ao longo
do século 14. Ela começou na Sicília em 1347 e se alastrou principalmente para
Itália, França, Portugal, Espanha, Inglaterra e Alemanha nos quatro anos
seguintes. Estima-se que a Peste tenha matado mais de 100 milhões de pessoas.
Uma tragédia quase inimaginável. A bactéria Y. pestis é comum em roedores, e se
espalhou devido à grande quantidade de ratos nas cidades europeias. E os ratos
proliferaram porque seus predadores naturais, os gatos, existiam em menor
número – já que o papa Gregório 9º, no século anterior, havia induzido a
população a acabar com eles (como conta o texto acima). Aqui se faz, aqui se
paga.
Gafanhotos no banco dos réus
Depois da Peste Negra, alguns
europeus passaram a acreditar que a violência do mundo animal não era só um
reflexo da fúria punitiva de Deus contra o homem. Talvez os bichos fossem
responsáveis por suas ações contra o ser humano (como espalhar doenças). E isso
deu origem a um costume insólito: julgar e condenar animais por crimes. Ratos e
porcos eram acusados de violência contra crianças e de carregar espíritos
demoníacos, e condenados à morte. Cães violentos eram proibidos de entrar em
certas vizinhanças, cavalos e jumentos preguiçosos pegavam prisão perpétua. Mas
o alvo principal eram gafanhotos e besouros, acusados de destruir plantações
nos séculos 15 e 16. Dois ou três representantes desses insetos eram levados à
presença dos juízes, em um processo que costumava se concluir com a pena de
morte. Seus cúmplices não presentes, porém, não eram esquecidos: os
destruidores de plantações eram condenados ao exílio ou à excomunhão.
GUINEFORT: DA INJUSTIÇA
À “CÃONONIZAÇÃO”
Entre o final do século 12 e o
começo do século 13, existiu um pequeno castelo na diocese de Lyon (400 km ao
sul de Paris). Era uma propriedade modesta, que não tinha vigias – só alguns
cães de guarda. Certo dia, o dono do castelo e a esposa precisaram ir até uma
cidade vizinha. Deixaram o filho pequeno sozinho por algumas horas. E, bem
nessa ausência, algo terrível aconteceu: uma cobra entrou no quarto da criança.
Um dos cachorros, um galgo chamado Guinefort, notou o perigo e atacou a
serpente com várias mordidas. Matou a cobra, mas a criança e o quarto ficaram
todos sujos de sangue. Algumas horas depois, quando o casal voltou de viagem e
se deparou com aquela cena, a mãe entrou em pânico. Ela achou que o sangue era
do filho, e que a criança havia sido atacada por Guinefort. Enfurecido, o
marido pegou sua espada e, com um movimento rápido, cortou a cabeça do
cachorro. Mas o casal logo viu que a criança estava bem, dormindo em paz. E
encontrou a cabeça da serpente jogada num canto do quarto. Eles haviam cometido
uma atroz injustiça ao matar o pobre cachorro. O casal se sentiu em débito com
Deus pela intercessão milagrosa de Guinefort, e pelo modo como ela foi
ignorada. Envergonhado, o senhor do castelo providenciou ao cachorro um enterro
com todas as honras possíveis. A história foi sendo repetida, e aumentada, pela
população local. Guinefort caiu na boca do povo, passou a ser adorado como um
mártir cristão – e recebeu dos camponeses locais o título de santo. Mulheres de
diversas regiões da França passaram a visitar o túmulo do animal, na esperança
de alcançarem suas bênçãos e curarem seus filhos doentes. A Igreja não
reconheceu a santidade do cachorro. Antes do século 13, quando os atos heroicos
de Guinefort o transformaram em santo popular, os europeus já acreditavam que
os cachorros tinham poderes místicos. Baseados nisso, muitos senhores e
cavaleiros medievais empregaram cachorros entre seus trabalhadores, na
esperança de que doenças e ferimentos humanos fossem curados com lambidas, e
para que os soldados fossem seguramente escoltados pelos animais ao retornarem
de batalhas muito violentas.
É CRIME
Um livro em especial, de E.P.
Evans, chamado “The Criminal Prosecution and Capital Punishment of Animals” —
“O Processo Criminal e a Punição Capital de Animais”, em tradução livre —, foi
publicado em 1906 e traz a descrição de aproximadamente 200 casos de bichos que
foram processados por seus supostos crimes.
Segundo a publicação, de modo
geral, as criaturas maiores, como vacas, cavalos e porcos, quase sempre eram
processadas por assassinato — e condenadas ao exílio ou à morte. Em
contrapartida, os casos envolvendo bichos menores, como gafanhotos, besouros e
ratos, muitas vezes eram encaminhados às autoridades eclesiásticas, que procediam
com a excomunhão dessas criaturas por crimes como pragas, infestações e
destruição de lavouras.
Infelizmente, por mais ridículo
que pareça um bicho ser julgado por seus atos como se fosse um ser racional, os
casos envolvendo as condenações de animais não pararam na Idade Média. Em 1916,
um elefante que matou seu adestrador foi tragicamente condenado à forca, e, em
2008, um urso foi acusado de roubo após consumir o mel de um produtor de
abelhas — e a reserva florestal onde o bichinho morava foi obrigada a pagar
pelo prejuízo. Em 2016 a Índia aprisiona leões para descobrir 'culpado' pela
morte de 3 pessoas. Constantemente cachorros são condenados à morte por ataque
a humanos.
Referências Bibliográficas
http://super.abril.com.br/historia/
https://www.megacurioso.com.br/historia-e-geografia
http://g1.globo.com/natureza/noticia/
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