Agredido século após século, a
agonia do Velho Chico chegou a 2017 com o mais baixo volume em seu 513 anos de
história. Por este assassinato progressivo e contínuo o leito do rio recebe por
ano nada menos que 23 milhões de toneladas de sedimentos, da nascente na Serra
da Canastra, em Minas, à foz no Oceano Atlântico, entre Alagoas e Sergipe.
Dois mil e novecentos quilômetros de
leito em uma bacia hidrográfica que irriga uma área quase igual à da França,
abastecendo perto de 13 milhões de pessoas. Os números superlativos do Rio São
Francisco combinam com seu passado de fartura. Época em que por suas águas
circulavam grandes vapores, apitando enquanto rasgavam a correnteza levando
mercadorias e pessoas. Com o tempo, o leito foi minguando, sendo sugado de um
lado, aterrado de outro, poluído por todos. Tanto que a história do chamado Rio
da Integração Nacional desaguou a um ponto em que, hoje, até a passagem de
pequenas canoas é difícil em certos trechos.
Agredido século após século, em seu lento curso de agonia o
Velho Chico chegou a 2017 com o mais baixo volume em seu 513 anos de história,
que se completam em 4 de outubro. O aniversário de seu descobrimento pelo
navegador Américo Vespúcio encontrará o
manancial enfrentando uma espécie de sentença de morte, executada enquanto seu
curso é literalmente soterrado com reflexo de ações humanas.
Os números desse
assassinato progressivo e contínuo saltam de estudo inédito. Entre outros,
o trabalho revela um dado assombroso, que traduz em números algo que sempre se
percebeu na prática: o leito do rio recebe por ano nada menos que 23 milhões de
toneladas de sedimentos, da nascente na Serra da Canastra, em Minas, à foz no
Oceano Atlântico, entre Alagoas e Sergipe. Na prática, é como se a cada ano um
milhão de carretas de detritos fossem lançadas na água. Para fazer frente a
essa realidade, o estudo propõe outras medidas controversas, que incluem a
transposição de águas de outras bacias – enquanto não terminou sequer a
polêmica sobre a transposição do próprio São Francisco.
O diagnóstico, fruto de um ano de levantamentos, que apontam
que o soterramento do Velho Chico tem como uma das principais causas a ação
humana, especialmente o desmatamento, que desencadeia uma série de outras consequências,
em efeito cascata. “A taxa de erosão de cada uma das fontes de orçamento
sedimentar tem sido impactada pelas modificações humanas da paisagem, que
levaram a um aumento geral na produção de sedimentos”, diz um dos trechos do relatório.
A situação dramática do São Francisco em diferentes pontos e percorrendo de
barco suas águas, conferindo o quanto o leito está assoreado, tomado por bancos
e ilhas de areia, em uma situação que assombra milhares de pessoas que dele
dependem. O Pantanal do Rio Pandeiros, considerado o berçário da bacia, também
sofre intenso processo de degradação, alimentado por desmatamento e erosão. Em outro ponto, no Projeto Jaíba, considerado o maior
sistema de irrigação da América Latina, pequenos produtores que dependem
diretamente do São Francisco reclamam, preocupados, da proibição de captação de
água no rio uma vez por semana. O chamado “Dia do Rio” é uma medida determinada
pela Agência Nacional de Águas (ANA) para evitar que a vazão diminua ainda
mais. A rigor, trata-se da primeira ação de racionamento da água da história no
canal principal do Velho Chico, reduzido pelo número excessivo de outorgas para
a captação de água e também pelo secamento dos seus afluentes.
MODELO MATEMÁTICO
O estudo considerou dados relativos a tipos de solo, uso e
ocupação de terrenos, topografia, clima (volume de chuva, temperatura, umidade
relativa, radiação solar e vento) e vazão dos rios da bacia. O objetivo foi
verificar a origem do maior aporte de sedimentos no sistema, ou seja “descobrir
se o aporte é causado por desmoronamento de margens ou pelo assoreamento dos
afluentes”. “O resultado mostrou que o assoreamento é proveniente da área
produtiva, e não das margens”, revela a entidade. O levantamento foi feito com
base em um modelo matemático que leva em consideração diferentes fatores, entre
eles a formação de ilhas e depósitos de areia no leito. “No geral, o modelo
calcula que aproximadamente 23 milhões de toneladas por ano de sedimento são depositadas
dentro do canal, levando a um sistema de degradação”, assinala o relatório.
ESTUDO PROPÕE MAIS TRANSPOSIÇÕES
O estudo que apontou a marca de 23 milhões de toneladas de
sedimentos lançadas a cada ano no leito do Rio São Francisco, propõem
intervenções para conter o assoreamento e aumentar o volume do leito, visando
também a garantir condições de navegação. Entre elas estão as sempre polêmicas
obras de transposição de bacias.
No caso, a bacia do São Francisco – que é “doadora de águas”
em um projeto de transposição para o Nordeste cuja polêmica nem sequer foi
encerrada, menos ainda as obras –, passaria a receber recursos hídricos de
outros rios. Os projetos incluem o desvio de água do Rio São Marcos para o Rio
Paracatu (por túnel), do Rio Paranaíba para o Paracatu e do Rio Grande (saindo
do vertedouro da Usina de Furnas) diretamente para o Velho Chico. Um quarto projeto para desviar água da Bacia do Tocantins para a Bacia do São
Francisco”, que “não foi considerado” no relatório final. O trabalho apresenta
ainda a proposta de construção de cinco barragens em cursos d’água da bacia:
três barramentos no Rio Paracatu, um no Rio das Velhas (município de Santo
Hipólito, Região Central) e outro no Urucuia, como forma de aumentar a
capacidade de armazenamento e de normalização do curso.
PREVISÃO SOMBRIA
Mas, se transposição
e barragens são apontados no estudo como possíveis saídas para o rio, para
ambientalistas e professores o mesmo tipo de obra de engenharia agravou os
problemas do manancial e ainda pode ser fatal para a bacia. A transposição do São Francisco tende a
acelerar o processo de assoreamento. As consequências da transposição serão
danosas e, em curto espaço de tempo, levarão à morte a maioria dos afluentes do
São Francisco, incluindo o próprio rio. Isso acontecerá porque a dinâmica (das
águas) será alterada e o transporte de sedimentos arenosos aumentará de forma
assustadora. Um dos resultados será o assoreamento, já que a maioria dos
afluentes do São Francisco corre por áreas cuja característica principal é a
ocorrência de um arenito frouxo. Associado ao desmatamento, esse
quadro traz a ameaça de um futuro sombrio. Com solo frágil e a retirada da cobertura
vegetal nativa, “o transporte da areia para o leito principal dos rios aumentou
em mais de 60. Em termos ambientais, herdamos a possibilidade de viver um
futuro incerto, com rios secos e a água potável cada vez mais difícil e cara. Os
reservatórios (barragens) contribuem com o problema ao acumular grande
quantidade de sedimentos, ficando cada vez mais rasos.
REPRESAS
O soterramento do Velho Chico é
um processo decorrente da “ocupação do espaço pelo homem com os chamados ciclos
econômicos, como o gado, a eletrificação e a irrigação. As represas afetam de
outra forma a questão do assoreamento. O transporte natural dos sedimentos para
o mar foi drasticamente reduzido, em parte devido à construção de barragens. Nos
períodos de enchentes, os sedimentos não conseguem atingir, em sua totalidade,
o oceano. Isso ocorre por duas razões: uma natural, relacionada com a
intensidade das chuvas máximas, que ocorrem cada vez menos; e a outra,
artificial, resultante da ação humana, com a construção dos reservatórios de
superfície, que regularizam, mas reduzem a vazão média natural do rio. Isso
resulta em menor capacidade de transporte de sedimentos e sua consequente
deposição no leito. Como soluções, além da recomposição da cobertura vegetal da
bacia e da revitalização das nascentes e veredas, um controle severo da
exploração das águas subterrâneas.
As origens do processo de soterramento do Rio São Francisco
encontram-se em Minas Gerais e na Bahia, onde brotam 90% das águas da bacia. Essas
origens se encontram no modo humano de tratar o solo no seu processo econômico
de produzir mercadorias. Os processos produtivos agrícolas, minerais,
industriais e da construção civil liberam solo devido ao desmatamento e a
escavações inerentes ao trabalho humano sobre a natureza, sem os devidos
cuidados e conhecimentos que garantiriam a sustentabilidade ambiental.
Referência Bibliográfica
https://www.em.com.br/
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