Todos têm o direito de manifestar sua fé, mas incluir a disciplina na grade pode causar momentos embaraçosos. Aulas de religião na escola
pública. Pode? Sim, de acordo com a Constituição brasileira e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Em hipótese nenhuma o aluno de escola pública é obrigado a frequentar o Ensino Religioso.
Desde que não sejam obrigatórias para os alunos e a instituição assegure o respeito à diversidade de credos e coíba o proselitismo, ou seja, a tentativa de impor um dogma ou converter alguém. Mas faz sentido oferecer a disciplina na rede pública? Desta vez, a resposta é não, e os motivos são três.
- O primeiro motivo tem a ver com a dificuldade de cumprir o que é determinado legalmente. A começar pelo caráter facultativo. O que fazer com os estudantes que, por algum motivo, não queiram participar das atividades? Organizar a grade para que eles tenham como opção atividades alternativas é o que se espera da escola. Porém, não é o que acontece em muitas redes. Nelas, nenhum aluno é obrigado a frequentar as aulas da disciplina, mas, se não o fizerem, têm de descobrir sozinhos como preencher o tempo ocioso. A lei não obriga a rede a oferecer uma aula alternativa, mas é contraditório permitir que as crianças fiquem na escola sem uma atividade com objetivos pedagógicos.
A questão da diversidade, outro
item previsto na lei, também não é uma coisa simples de ser resolvida. Como
garantir que todos os grupos religiosos - incluindo divisões internas e
dissidências - sejam respeitados durante o programa em um país plural como o
nosso? Dados do Censo Demográfico 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), revelam que 64,6% da população se declara
católica, 22,2% evangélica, 2% espírita, 3% praticante de outras religiões e 8%
sem religião.
- O segundo motivo é de foro íntimo e tem a ver com as escolhas de cada um e com o respeito às opções dos outros. De que forma assegurar que o professor responsável por lecionar Ensino Religioso não incorra no erro de impor seu credo aos estudantes? Ou que aja de maneira preconceituosa caso alguém não concorde com suas opiniões? ( sto ocorre muito no meio acadêmico em relação a opção política). É fato que todos, educadores e alunos, têm o direito de escolher e exercer sua fé. Está na Constituição também. Não há mal algum em rezar, celebrar dias santos, frequentar igrejas ou outros templos, ter imagens de devoção e portar objetos, como crucifixos, colares de conta, quipá e véus. Porém, em hipótese alguma, a escola pode ser usada como palco para militância religiosa e manifestações de intolerância. É bom lembrar que a mesma carta magna determina que o Estado brasileiro é laico e, por meio de suas instituições, deve se manter neutro em relação a temas religiosos.
Quando isso não acontece,
aumentam os riscos de constrangimentos e eventos de bullying. Por causa de sua
fé, muitos praticantes do Candomblé ou Umbanda, são humilhados pelos
colegas e até por seus professores. Para evitar tais situações, a maioria
omiti a crença na tentativa de se proteger.
- O terceiro motivo para deixar o Ensino Religioso fora do currículo é a essência da escola. Cabe a ela usar os dias letivos para ensinar aos estudantes os conteúdos sobre os diversos campos do conhecimento. Há tempos, sabe-se que estamos longe de cumprir essa obrigação básica. Boa parte dos estudantes conclui o Ensino Fundamental sem alcançar proficiência em leitura, escrita e Matemática.
Além disso, há que se avaliar um
argumento usado por quem defende o Ensino Religioso como forma de tratar de
valores morais. Sem dúvida, é importante que a escola explore esse tema, mas
desde que ele perpasse todo o currículo e esteja presente no discurso e nas
atitudes de toda a comunidade escolar. Por isso, não faz sentido falar de moral
nas aulas sobre religião e nas atividades alternativas oferecidas para quem
optar por não cursar a disciplina.
Num cenário ideal, a moral
trabalhada no ambiente educacional não tem a ver com a pregada pelas religiões.
Educação e verdades incontestáveis não combinam. Enquanto os credos são
dogmáticos e pautados na heteronomia (quer dizer, as normas são reguladas por
uma autoridade ou um poder onipresente), a escola é o lugar para a conquista e
o desenvolvimento da autonomia moral. Isso quer dizer que crianças e
adolescentes devem aprender e ser estimulados a analisar seus atos por meio da
relação de respeito com o outro, compreendendo as razões e as consequências de
se comportar de uma ou outra maneira. Bons projetos de Educação moral, que
abrem espaço para questionamentos e mudanças de hábito, dão conta do recado.
O discurso teológico
permea o dia a dia dos estudantes: sempre usado para solucionar casos de
indisciplina e até de violência. Os
professores dizem aos estudantes frases como "Deus castiga os
desobedientes", "Papai do Céu não gosta de criança levada".
Sem contestar ou ameaçar a
liberdade de credo de ninguém, espera-se que os educadores sigam buscando
ensinar o que realmente interessa. Sem orações, imagens e afins. Se pretende doutrinar os alunos, os dogmas e práticas religiosas têm de ser aprendidos em seus próprios templos religiosos e não dentro da escola pública. Escola pública não é lugar para devoção e fé religiosa.
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