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segunda-feira, 19 de março de 2012

O VALOR DA BIODIVERSIDADE



Quanto vale uma borboleta? Colar etiquetas de preço em espécies individuais parece absurdo, mas é precisamente isso que alguns economistas tentam fazer. Uma nova perspectiva para impedir a destruição.




A biodiversidade, vasta rede de todas as formas de vida, é infinitamente valiosa. Um tesouro precioso demais para que, simplesmente, possamos atribuir-lhe valor em dinheiro. Essa opinião é tão aceita quanto respeitável. A única fatalidade é que ela também constitui um convite para considerarmos a natureza viva como um presente gratuito e ainda assim arruiná-la, sempre que houver uma perspectiva de lucro a curto prazo. Para impedir essa destruição, os ecologistas estão se unindo aos economistas. Eles tentam calcular em euros, até os centavos, o valor agregado à produtividade de abelhas e castores, manguezais e recifes de corais. O princípio de uma nova revolução no pensamento econômico
     
 Doutor Antitumor
A vinca rosea (Catharanthus roseus), de Madagáscar, contém substâncias de efeito altamente benéfico nas terapias para o tratamento da leucemia. Nos anos 60, o conglomerado farmacêutico Eli Lilly descobriu a planta medicinal na farmacopeia da floresta tropical, e isolou o ingrediente ativo para o remédio anticancerígeno Vincristin. Mas Madagáscar, o país originário do recurso genético do ingrediente, não se beneficiou de nada disso. Para evitar esse tipo de "biopirataria" e garantir uma participação financeira justa aos países originários, foi criada a Convenção da Biodiversidade, assinada por quase todas as nações do mundo, exceto os Estados Unidos. Dez dos medicamentos mais bem-sucedidos mundialmente originam-se de fontes naturais. De acordo com cálculos da ONU, só com os medicamentos fabricados com a vinca rósea de Madagáscar, a Eli Lilly gera um movimento anual de 100 milhões de euros (aproximadamente R$ 243,58 milhões).

Ganhos vistosos
Turistas mergulhadores apreciam recifes de corais saudáveis, que abrigam muitos habitantes multicoloridos, como o peixe-anjo-real (Pygoplites diacanthus). Menos óbvio é que a proteção dos corais também beneficia os pescadores. Mas os cálculos de custo-benefício provam que todos desfrutam do trato consciencioso do mundo submarino. Nas Filipinas, mais de um milhão de pescadores costeiros e suas famílias dependem do que é extraído do mar. E nos lugares aonde a população participa do "gerenciamento de recifes", as recompensas são visíveis. Os lucros obtidos com a pesca racional e o turismo de mergulho suplantam os ganhos registrados com a pesca com dinamite por hectare em 2.400 euros (aproximadamente R$ 5.855,79).

Operário florestal
O trabalho ocorre em perfeita harmonia. Para estocar provisões para o inverno, os gaios-comuns (Garrulus glandarius) catam as melhores glandes (popularmente chamadas de 'bolotas') dos carvalhos no outono. Por voo, as aves carregam de 6 a 8 frutos no bico e no papo e os enterram em "depósitos" de terra fofa. Esse transporte se repete a cada 10min. Desse modo, cada ave esconde até 7.000 glandes, pelo menos o dobro da quantidade que de fato comerá durante o inverno. Com frequência, os frutos não consumidos brotam, um serviço bem aproveitado por diversas reservas florestais na Alemanha, que passaram a dispensar o trabalho humano e deixam a renovação de suas florestas propositalmente a cargo dos gaios. Economia por árvore: 1 euro (cerca de R$ 2,43).

Animais selvagens
Para adquirir um exemplar de aligátor americano (Alligator mississippiensis) em uma fazenda de reprodução, um zoológico europeu gasta 2.500 euros. Mas de que nos serviria a proteção de seus parentes que vivem em liberdade e para os quais não existe um mercado de oferta e procura? Pesquisadores da Flórida analisaram os índices de perdas de animais na reserva do Parque Estadual Jonathan Dickinson, e constataram que, em 4 anos, 256 anfíbios e répteis morreram atropelados em acidentes de trânsito, inclusive 4 aligátores, que sucumbiram ao lado de tartarugas, cobras e sapos. Medidas adequadas de proteção, como barreiras, túneis ou o controle rigoroso de velocidade, poderiam ter evitado grande parte dessas colisões fatais. Para viabilizar medidas protetoras, dizem os cientistas, bastaria uma soma por animal, muito abaixo da paga pelos zoológicos por um aligátor:US$ 500,00 (aproximadamente R$ 900,00)

Indispensável

Como animal doméstico, que excursiona pelos campos, florestas e lavouras, a abelha-europeia (Apis mellifera) é insubstituível. Os estoques mundiais dos apicultores são calculados em 3 bilhões de exemplares. Mas para a economia humana, as operárias aladas não são relevantes apenas como fornecedoras de mel. Muito mais importante é sua diligência na polinização das plantas e flores, tanto na natureza selvagem, como na agricultura. Frutas, verduras e leguminosas precisam dos insetos para formar sementes. Para muitas espécies, as abelhas-europeias são polinizadoras vitais. Uma equipe de pesquisa da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, calculou que as frutas polinizadas por abelhas geram, anualmente, um movimento de US$ 14,6 bilhões cerca de R$ 26,30 bilhões).

Depósitos favoráveis
Comercialmente, pântanos e charcos têm uma fama ruim. Tratores e dragas afundam e, na melhor hipótese, só a extração de turfa é rentável. Portanto, durante muito tempo, o lema era: drenar! No entanto na era da sensibilidade climática, o aprendizado é constante. Apenas 3% da massa terrestre do planeta é constituída por terras úmidas, entretanto, elas retêm 30% do carbono armazenado no solo. Por isso, a recuperação de antigos pântanos e charcos drenados é vantajosa para o equilíbrio do dióxido de carbono. Por essa razão, em breve o amieiro (Alnus glutinosa), uma espécie típica de pântanos baixos, deverá tornar-se novamente frequente. Em comparação com a construção de depósitos tecnológicos de CO2, a restauração dos pântanos economiza, por tonelada de CO2, até 749 euros (por volta de R$ 1.818,38).

As senhoras da terra
Para os egípcios, as minhocas (Lumbricidae) eram sagradas. Aristóteles as chamou de "tripas da terra". Darwin cantou sua importância. Com razão. Essas incansáveis criaturas perfuram o loess (limo calcário) e a argila, arejam e afofam o solo, aumentando sua capacidade de absorção de água e disponibilizando minerais e nutrientes para as plantas. O mundo dispõe de um bilhão de hectares de terras úteis para a agricultura. Embora a densidade populacional de minhocas varie conforme o tipo de solo, essas ativistas do subsolo produzem, em média, uma tonelada de terra fértil por hectare/ano. Pesquisadores neozelandeses calcularam o benefício resultante só dessa formação de humo, hectare por hectare: 2,50 euros (aproximadamente R$ 6,08)

Coleta lucrativa
Muitas espécies de fungos comestíveis crescem exclusivamente na natureza silvestre e resistem obstinadamente a qualquer tentativa de criação planificada. As dádivas da natureza não só complementam o cardápio de conhecedores que gostam de passear em florestas, mas também constituem um importante fator econômico. No famoso Mushroom trail (Trilha dos cogumelos), no noroeste da América do Norte, milhares de coletores vasculham as imensas áreas florestais que se estendem do estado de Montana até o Alasca, em busca de cogumelos morel (Morchella), para revendê-los. O comércio leste-oeste europeu ainda é enriquecido por boletos-baios (Xerocomus badius) e cogumelos porcini (Boletus), mas principalmente por cantarelos (Cantharellus cibarius). O valor de mercado anual mundial só para esta última espécie é calculado em 1,3 bilhões de euros (cerca de R$ 3,16 bilhões).

Guardiões dos peixes

A Rhizophora mangle cresce há 60 milhões de anos como florestas em águas salgadas cálidas. Ainda existem 170.000 km2 de terras costeiras cobertos por manguezais. 25% dos litorais tropicais. Sua densa e emaranhada base de raízes é estação de crescimento para peixes, caranguejos, e moluscos. Além disso, o cinturão de manguezais constitui barreiras naturais contra grandes cheias súbitas, proteção contra erosão e ainda proporciona lenha e madeira de construção para os habitantes próximos. Entretanto, mais de 30% de toda a vegetação original de mangues já foi destruído por atividades de construção, fazendas de criação de camarão e outros tipos de aquicultura, o que constitui um grande fiasco ecológico e financeiro. Na Tailândia, por exemplo, o rendimento do uso tradicional dos manguezais, em comparação com as criações de camarão, gera, por hectare 1.400 euros (aproximadamente R$ 3.406, 41).

Filigranas saneadoras
O caniço-de-água (Phragmites australis) costuma brotar em margens aquáticas silvestres. Ele constitui um local de nidificação e espaço vital para libélulas e aves, que se escondem entre suas canas densas e finas. E funciona como uma instalação de saneamento. O caniçal absorve nitrogênio e, assim, combate a adubação excessiva das águas. Suas raízes filtram automaticamente a água corrente suja. Além disso, os caniços ocos transportam oxigênio para a água, um pré-requisito decisivo para a decomposição de substâncias tóxicas por micro-organismos. Ecologistas calcularam, para a região intermediária do Rio Elba, na Alemanha, a economia gerada por caniçais saneadores naturais em comparação com instalações de saneamento técnicas por ano: 7,7 milhões de euros (por volta de R$ 18,73 milhões).

Só uma borboletinha?
A borboleta da espécie Glaucopsyche teleius está ameaçada. Para sobreviver, ela necessita de campinas abertas que não sejam aparadas em julho, quando ela deposita seus ovos. Mas é justamente nessa época que o feno apresenta uma boa qualidade e, por isso, a espécie está desaparecendo notavelmente das pradarias.Será que os cidadãos estariam dispostos a fazer contribuições em um fundo, para indenizar os agricultores por períodos de corte desfavoráveis e, desse modo, ajudar a aumentar novamente a população deGlaucopsyche teleius? Pesquisadores investigaram a "disposição fictícia de pagamento" em uma localidade no sul da Alemanha: 71% dos entrevistados estariam dispostos a assumir o encargo financeiro - com um valor médio anual de 10 euros (cerca de R$ 24,33).

Secreções valiosas 
Cuidado! As viúvas-negras (aqui, Latrodectus hesperus) produzem o veneno latrotoxina, que ataca o sistema nervoso central e confunde a transmissão de sinais entre nervos e músculos. As consequências típicas de sua picada incluem fortes dores nos nódulos linfáticos e câibras. Para as vítimas isso é perigoso; para os pesquisadores, altamente interessante, pois a latrotoxina os ajuda a compreender melhor os mecanismos da reação no sistema nervoso. Os gerenciadores da Spider Pharm, no Arizona, Estados Unidos, lucram com isso: eles capturam diversas espécies de aranhas venenosas na natureza, criam- -nas e colhem regularmente seu veneno. A empresa oferece 78 produtos e 100mL de veneno congelado de viúva-negra custam US$ 999,00 (aproximadamente R$ 1.799,19).
Arquiteto paisagista
O castor-europeu (Castor fiber) estava extinto em grande parte da Europa. Os esforços de proteção não apenas ajudaram a espécie a retornar a territórios, como os rios Elba e Danúbio, mas também a se multiplicar às margens de muitos rios menores. Por meio da migração e da reintrodução na natureza de animais criados em cativeiro, a população já voltou a se equilibrar em muitas regiões. Isso teve consequências positivas: como mestres construtores, os castores derrubam arbustos e árvores às margens dos rios, para represar e desviar as águas para suas pequenas fortificações. Onde antes a água fluía por rios retilíneos, agora ressurgem paisagens de várzeas, com poças e regatos entrelaçados, o que é excelente para a biodiversidade e a riqueza aquática. Um estudo analisou quanto vale, por ano, a atividade construtora dos castores na região do Spessart, uma baixa cordilheira de montanhas no Noroeste da Baviera e Sul do Estado de Hessen, na Alemanha: 10.500 euros (cerca R$ 25.548, 08).



É  RAZOÁVEL QUERER CONTABILIZAR O VALOR DE UM PÁSSARO?
Trata-se de uma guinada radical, que um grupo de políticos e economistas promove cada vez mais decididamente em nossos dias. Durante muito tempo, para eles valia apenas a regra de que só é possível quantificar, e calcular, o que empresas e economias nacionais produzem, vendem e lucram nos mercados. O canto de um pássaro, a visão refrescante de um prado, o aroma do mar não faziam parte de seus mundos. Na melhor das hipóteses, a natureza desempenhava um "papel" na condição de matéria-prima em processos de manufatura mecânica ou industrial, como no caso da madeira proveniente de reflorestamentos. Em geral, só se considerava o valor econômico de espécies isoladas, exploráveis; jamais se avaliava os ecossistemas que as sustentavam. E, de uma perspectiva puramente econômica, a fauna e a flora materialmente inaproveitáveis, a riqueza em particularidades e formas admiráveis da natureza, eram consideradas, no máximo, como um bem de significado sentimental. Nada mais.
Somente quando esse tesouro começou a escassear e desaparecer, um ou outro especialista passou a enxergar a questão sob um novo ângulo. Despertados, subitamente, pela rápida perda de muitas espécies da fauna e da flora, um número crescente de especialistas vem se perguntando se o mundo também não estaria sendo privado de sólidos valores monetários. Assim, hoje, dezenas de equipes dos chamados "economistas ecológicos" se esforçam para conferir valores à biodiversidade, e isso tanto em euros como em dólares, com meticulosa precisão. São meramente um valor acadêmico, próprio para alarmar o público como um todo. Mas esse montante não aparece em nenhum balanço comercial mundial, em nenhum balanço empresarial de fim de ano, e muito menos em uma conta bancária.
Pois trata-se apenas de um valor, não de um preço. Assim, uma das principais preocupações dos ecoeconomistas é como estipular preço para bens naturais. Como fazer com que seus valores econômicos abstratos sejam incluídos como grandeza matemática concreta nos cálculos de lucros e perdas das empresas, e nos livros de contabilidade doméstica? O problema é que a maioria dos serviços prestados pela natureza são bens públicos, que todos utilizam, mas que não pertencem a ninguém. Portanto, ninguém os comercializa e não se forma um preço. Isso frequentemente resulta na utilização inconsequente dos recursos, um fato antigo, que o biólogo Garrett Hardin sumarizou, em 1968, na fórmula Tragedy of the commons (A Tragédia dos Bens Comuns).
E essa tragédia pode ser ainda mais agravada, pois, ocasionalmente, os danos ecológicos são computados como lucros. De acordo com a matemática tradicional, até catástrofes podem embelezar os balanços econômicos nacionais, em vez de arruiná-los. O escritor americano Bill McKibben debocha dessa lógica fatal, dizendo: "O cidadão economicamente mais produtivo é um canceroso que, a caminho do escritório de seu advogado de divórcio bate o carro com perda total do veículo". Pois a somatória dos honorários do advogado e dos custos de hospital e oficina mecânica, portanto tudo o que precisa ser investido para consertar os danos, constitui uma soma positiva no balanço do rendimento.
Exemplo perfeito disso é a catástrofe do Exxon Valdez, em 1989. Os danos que o episódio produziu, uma colossal perda de rendimentos da esfera viva, precisaram ser removidos, gerando muitos bilhões de dólares para o Produto Interno Bruto do Alasca. Quando os estoques de bacalhau da Terra Nova, no Canadá, entraram em colapso há 15 anos, por causa da inegável pesca predatória, o efeito nos livros de contabilidade foram positivos, através do vencimento dos custos sociais da ordem de 2 bilhões de euros (cerca de R$ 4,84 bilhões). E a Alemanha contabiliza os gastos com a eliminação de nitratos e pesticidas, que intoxicam o solo, os custos dos reparos de danos causados por enchentes, erosão de solo e poluição da água, anualmente da ordem de 5,1 bilhões de euros, aproximadamente R$ 12,35 bilhões, como crescimento do Produto Interno Bruto do país.
O fato de ninguém contrapor perdas aos aumentos calculados desse modo resulta exclusivamente da realidade de que a natureza não tem preço. Para conseguirem sair dos apertos e ainda assim estipular preços, os pesquisadores apelam para diversos truques.
Robert Costanza, por exemplo, apoiou seu megacálculo de US$ 33 trilhões, entre outros, em uma "disposição fictícia de pagamento" por parte dos consumidores. Em diversas enquetes, as pessoas indicaram que soma de dinheiro elas estariam dispostas a pagar pela conservação de uma espécie ou de um espaço vital em suas proximidades. Ou simplesmente, quanto pagariam para garantir a continuidade existencial de uma criatura na Terra mesmo que jamais avistassem a espécie citada - por exemplo, o orangotango, em liberdade. Similarmente, pesquisas realizadas nos Estados Unidos sobre quanto dinheiro cada família gastaria para destruir duas barragens no Estado de Washington, e devolver ao salmão selvagem suas águas tradicionais e legítimas de procriação, resultaram em uma soma total de US$ 1 bilhão, cerca de R$ 1,78 bilhão, muito mais que o custo do desmantelamento das represas.
Embora o método seja criticável, ele se encaixa perfeitamente na lógica econômica. Os economistas consideram toda decisão de compra como a manifestação de uma estimativa de valor. O preço indica o quando uma dada coisa vale (monetariamente) para o comprador. Entretanto, sabe-se que o método de grandes enquetes resulta, sistematicamente, em uma disposição de pagamento muito exagerada. Em último caso, ao ponto de não restar muito da cifra obtida no final das contas. Por essa razão, muitos ecoeconomistas se contentam com investigações mais limitadas, nas quais eles conseguem estipular preços mais exatos; por exemplo, ao calcularem os ciclos hídricos ou de nutrientes.
Por Andreas Weber (Texto)

Referênciahttp://revistageo.uol.com.br

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