O preço do tomate é um desastre.
Um desastre aéreo. Não pela gravidade da coisa, mas pela causa: o responsável
foi uma “combinação de fatores” – a explicação clássica para as quedas de
avião. O primeiro fator é o mais inusitado: um dos culpados pelo tomate caro
demais é o tomate barato demais.
Vamos voltar quatro anos no passado, quando o quilo do tomate a R$ 10 ainda era algo tão distante quanto o teletransporte. Uma caixa com 25 quilos estava saindo por R$ 40 nos centros de distribuição. Era um preço do tipo “bom para ambas as partes”: baixo o bastante para ninguém reclamar e alto o suficiente para fomentar a produção. Os agricultores aumentaram as áreas de cultivo de tomate. A oferta bombou. Mas aí veio o primeiro revés: a demanda não acompanhou. E o preço foi pras cucuias: em 2010 já tinha caixa a R$ 8.
Ótimo para uma das partes, a que
compra. E péssimo para a outra. Tinha agricultor jogando caixa de tomate fora –
se gastassem com o transporte delas ficariam no prejuízo. Era o crash
tomateiro. Depois dessa, as fazendas diminuíram as áreas de plantio de tomate.
Natural.
E a oferta minguou. Mas foi bom:
com menos tomate no mercado, o preço voltou a um patamar mais aceitável para
quem planta – uns R$ 30 a caixa. Só que aí aconteceu algo ruim: uma safra boa.
Pois é, a economia agrícola às vezes funciona de cabeça pra baixo. Uma safra boa pode ser algo ruim
quando começa a sobrar produto no mercado. Começou a sobrar tomate. E os preços
afundaram – de volta para a faixa dos R$ 10; um valor além da linha vermelha,
do ponto de vista dos agricultores. E tome mais prejuízo, mais caixa de tomate
abandonada e mais frutos apodrecendo na fazenda, já que nem valia a pena
colher. E o o que aconteceu? Diminuíram
mais ainda as áreas de plantio, claro. Pra que gastar dinheiro plantando o que
não dá retorno? Em Goiás, por exemplo, reservaram 40% menos terras para o
tomate. É do jogo. Isso diminuiria a oferta, faria o preço subir, e o lucro dos
produtores voltaria. Só que entrou um elemento
totalmente inesperado nessa história: um ataque de bactérias.
As bactérias que infestam os
tomateiros crescem e se multiplicam quando chove demais. Choveu demais. O
índice de mortalidade da tomatada aumentou. E a produção despencou: algumas
fazendas colheram só um terço do que esperavam. Tudo isso numa realidade em que
as áreas de plantio já estavam bem menores só podia dar numa coisa: o tomate de
ouro. Ele ficou raro a ponto de o preço da caixa bater em R$ 150 nos
centros de distribuição (dá R$ 6 o quilo, o que nas feiras e supermercados
acaba virando R$ 10 fácil); um aumento de 1.775% comparado com 2010. Foi o que
alimentou um momento histórico: a estreia dos hortifrutigranjeiros no mundo dos
memes.
Mas ok. Foi uma situação atípica.
E o tomate a preço de ouro é justamente quem vai trazer de volta o tomate a
preço de tomate: vai estimular os produtores a aumentar as áreas de cultivo. E
a tempestade ficará pra trás. Mas não. Isso não vai ser a salvação
da lavoura.
O preço do tomate pode ter sido
circunstancial. Mas a inflação dos alimentos – e de todas as outras coisas –
não. Ela não tem nada de circunstancial. É generalizada. E contínua. E só
existe porque hoje há mais dinheiro em circulação do que o país dá conta. Ou
seja: mais do que a nossa capacidade de produzir coisas para serem compradas
com esse dinheiro. A culpa, em última instância, não é de quem produz o tomate
(ou a pizza, ou as quitinetes de R$ 1 milhão). É de quem produz o dinheiro: o
governo.
A verdade é que só políticas
econômicas desastradas conseguem causar inflações de dois dígitos – e a
inflação dos alimentos fechou 2012 em 14%. Mas não espere que o governo assuma
isso. Como escreveu Milton Friedman, meu economista preferido:
“Nenhum governo aceita que é o
responsável por uma inflação. Sempre arranjam alguma desculpa – comerciantes
gananciosos, sindicatos turrões, consumidores compulsivos, árabes, a chuva. Sem
dúvida que comerciantes são gananciosos, sindicatos são duros, consumidores são
compulsivos, árabes aumentam o preço do petróleo e, de vez em quando, chove
mesmo. Todos esses agentes têm como produzir preços altos para certos itens;
mas não são capazes de fazer isso com tudo o que existe. Eles até podem causar
subidas e descidas temporárias na taxa de inflação. Mas não têm como dar início
a uma inflação contínua. Por um motivo simples: nenhum desses supostos culpados
pela inflação tem as impressoras que produzem aquilo que a gente carrega na
carteira.”
Esse texto do Friedman tem quase
40 anos. E continua mais atual do que qualquer meme.
fonte: superinteressante
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