Clara água, cara água: porque o recurso está cada vez mais escasso
e caro
Três quartos da superfície do globo são oceanos. Daí que, vista de
longe, a Terra é pura Água. Mas não é água pura. Esta é cada vez mais rara, e
30% dos 5,5 bilhões de habitantes do planeta já sofrem com a escassez. Você
verá uma radiografia dessa escassez e entenderá por que, nos próximos anos, a
conta de água da humanidade não será mais tão barata.
por Ricardo Arnt
Há três anos, um editorial da revista inglesa The Economist, uma
das mais influentes do mundo, afirmou em editorial que a água era “commodity”,
isto é, uma mercadoria como madeira ou petróleo, e alertou para a elevação do
custo dessa “commodity”. Um leitor desavisado poderia se espantar: mas como
pode custar caro um líquido que a gente vê em todo lugar? Mas o que a gente vê em todo lugar não é o que a gente aproveita.
Mais de 97% da água do planeta é
de mares. Salgada. Não serve nem para uso industrial. A potável mais pura da
natureza está nas calotas polares e nas geleiras, que armazenam 2% da água do planeta.
Muito frio e muito longe. Lençóis subterrâneos, lagos, rios e a atmosfera guardam
o 1% restante. E é só essa que está à disposição.
As chuvas e a neve descarregam sobre os continentes parte do que
evapora dos oceanos. São 40 673 quilômetros cúbicos ao ano. Mas quase dois
terços se perdem. Restam 14 000 km3 como fonte de suprimento estável para um consumo anual
global, hoje em torno de 4 500 km3. No consumo global, 69% das águas potáveis, 15% do uso
doméstico e 20% das águas de irrigação são de origem subterrânea. Mas essas
reservas não são eternas; são como jazidas de petróleo, não renováveis. A
superexploração provoca rebaixamento dos lençóis freáticos e problemas amargos
para muitos países.
Nos últimos vinte anos, novas 1,8 bilhões de bocas vieram se somar
à humanidade e diminuíram em um terço o suprimento de água do planeta.
O pior é que a necessidade de água cresce ainda mais rápido do que o aumento da
população. Para atendê-la, cavam-se poços e constroem-se barragens. Já há 36
000 barragens no mundo. O problema é que as novas alternativas para matar a
sede da civilização custarão cada vez mais caro. Onze países da África e nove do Oriente Médio sofrem secas
permanentes. Mas a situação vai se complicando também em outros lugares, no
México, Hungria, Índia, China, Tailândia e Estados Unidos. Para um número
crescente de países há perspectivas de esgotamento de reservas. Veja, a seguir,
alguns retratos da crise:
- Na Cidade do México, o governo tenta disciplinar o consumo e
escavação de poços. A exploração desordenada rebaixou o lençol freático e isso
tem ocasionado o afundamento do centro da capital — 20 cm ao ano, há décadas. A
Catedral Metropolitana que já se encontra dois metros abaixo do nível da rua,
está tombando.
- Um dos desastres mais graves é o do mar de Aral, na
Ásia. Ele já perdeu 40% em superfície e 60% do volume. Os rios Amu e Syr, que
desaguavam nele, foram desviados para irrigar 7,5 milhões de hectares de
algodão.
- A Arábia Saudita, onde 75% da água provêm de lençóis
subterrâneos, irrigou o deserto e
virou exportadora de trigo em 1984. Em 1992, o rei Fahd autorizou o aumento da
exploração de água do subsolo, de 5,2 bilhões de m3/ano para 7,8
bilhões. Prevê-se o esgotamento das reservas em 50 anos.
- Na Líbia, as reservas subterrâneas da costa do Mediterrâneo já
ficaram salobras. Esvaziadas, foram invadidas por água salgada. O governo
constrói o Grande Rio Artificial, rede de 1 000 quilômetros de dutos, que trará
água de reservas do deserto até a costa. Cerca de 730 milhões de m3/ano
serão transferidos durante 40 ou 60 anos, a um custo total de 25 bilhões de
dólares. Mas logo a nova fonte também vai secar.
- Na China — com 22% da população mundial e apenas 8% da água doce
— falta água em Pequim, Tianjin e nas planícies produtoras de grãos, no Norte.
Os lençóis da capital diminuem 2 metros por ano, e um terço dos poços já
secaram.
Hoje, quando secam as torneiras de bairros inteiros na cidade
grande e a madame do bairro vizinho manda lavar a calçada, ninguém repara. Mas
isso também terá que mudar. Nos próximos quarenta anos, 90% do crescimento
populacional vai se concentrar nas cidades. Como a agricultura consome dois
terços de toda a água retirada da superfície e do subsolo, uma parte dos
recursos da irrigação deverá ser desviada. É provável que a água, então,
alcance um valor de mercado comparável ao do carvão, do petróleo ou da madeira
— e que o desperdício venha a ser punido pela legislação. Economizar já é imperativo. Em Israel — onde 70% do esgoto é
reciclado para irrigação —, foi criada a microirrigação: redes de tubos porosos
ou perfurados sob o solo, diretamente sob as raízes dos vegetais, fazem
circular água em gotas. Nos Estados Unidos, o consumo industrial
já diminuiu 36% desde 1950. Na Alemanha, mantém-se estável desde 1975, apesar
de um aumento de 44% na produção. No Japão, diminuiu 24% desde 1989.
É preciso, também, encontrar alternativas para o abastecimento. Há
7 500 usinas em operação no Golfo Pérsico, Califórnia, Espanha, Malta,
Austrália e no Caribe, convertendo 4,8 bilhões de m3 de água salgada em água
doce, por ano. Mas o processo ainda é caro. Cada metro cúbico sai por 2
dólares. Em 1975, o príncipe saudita Mohamed al-Faissal encomendou ao
explorador polar francês Paul Émile Victor um estudo para transportar um
iceberg do mar de Wedell, na Antártida, até a Arábia Saudita.
Conclusão: a viagem de 10 000 km de um bloco de gelo com 100 milhões de
toneladas, a 2 km/hora, duraria nove meses. Graças a técnicas de
antiderretimento, chegariam 80 milhões de toneladas de gelo na Arábia. A
experiência, porém, ainda não foi tentada.
A Amazônia detém a maior bacia fluvial do mundo. O Brasil tem
mesmo muita água, mas, ainda maiores que as reservas, são as taxas de
desperdício, estimadas em 40% só na rede pública. A ilusão de abundância
esconde a péssima gestão dos recursos hídricos.
O estado de São Paulo resume o impasse. Recebe muitas chuvas, tem
rios, e vive em racionamento branco. Periodicamente, falta água na capital.A
demanda sobe: 290 000 litros por segundo em 1989, 354 000 em 1992,
provavelmente 880 000 em 2010. A irrigação gasta 43% dos recursos, a indústria,
32%, e as cidades, 25%. Na região Norte, as reservas recebem mais agrotóxicos, mercúrio
dos garimpos e lixo bruto. Aliás, 63% dos 12 000 depósitos de lixo no Brasil
estão em rios, lagos, restingas, ou seja, nos chamados corpos d’água.
No Nordeste, açudes, barragens e represas armazenam 80 bilhões de
m3 de água sem melhorar a vida dos 17 milhões de nordestinos. Contudo, os 400
mm de chuvas anuais do semiárido representam 4 vezes mais do que as chuvas da
Califórnia — onde foram criados celeiros agrícolas. A desertificação não
ameaça apenas o Nordeste. Há focos de desertificação em
Montes Claros (MG), em São Fidélis (RJ), em Marília (SP), em regiões do Paraná,
e em 14 municípios do Rio Grande do Sul.
A incúria pode ser medida pela timidez das políticas de
reciclagem. A maior estação de tratamento do Brasil, a de Barueri (SP), só
agora começou a planejar a reciclagem. Algumas experiências privadas deram
certo: a Companhia Cacique de Café Solúvel, em Londrina, e a Fiat, em Betim,
conseguiram boa economia de custo com reciclagem e no uso dessas águas. A civilização sempre dependeu da água. Agora é o inverso: a água é
que dependerá do nosso grau de civilização. Dependerá, principalmente, do
quanto estamos dispostos a pagar.
Cada vez menos reservas
Vários países do mundo já dispõem, há anos, de estoques de água
por habitante menores do que a média aceitável de 2000 metros
cúbicos/ano/pessoa. E a escassez deve
aumentar.
Suprimentos renováveis de água per capita
(m3/pessoa)
Região/País 1992 2010
Argélia 730 500
Burundi 620 360
Cabo Verde 500 290
Líbia 160 100
Egito 30 20
Israel 330 250
Jordânia 190 110
Arábia Saudita 140 70
Kuait 0 0
Barbados 170 170
Bélgica 840 870
Cingapura 210 190
Fonte: Worldwatch Institute
O mar de Aral
Na Rússia, é um dos exemplos mais graves de destruição ambiental e desertificação causada pelo homem. Um dos resultados: prejuízos graves à pesca, com navios encalhados na areia.
Na Rússia, é um dos exemplos mais graves de destruição ambiental e desertificação causada pelo homem. Um dos resultados: prejuízos graves à pesca, com navios encalhados na areia.
Seca em São Paulo
A estação de tratamento de água de Guaraú, na Grande São Paulo, é
a maior do país. Recicla parte das águas usadas nas cidades da região. Faz
parte de um projeto-monstro para diminuir o problema de seca no
Estado de São Paulo.
Deserto no Sul
A região de Alegrete, no Rio Grande do Sul, vem sofrendo um
processo de desertificação constante.
Há vários projetos de recuperação do território, que tentam aumentar a fixação
de água no solo, utilizando plantas ou muros para conter a areia.
Irrigação no Nordeste
Desde 1847, fala-se em desviar e “transpor as águas” do Rio São
Francisco e do Tocantins, para perenizar os rios intermitentes do Nordeste e
vencer a seca.
O governo do Ceará investiu US$ 48 milhões na construção do Canal do
Trabalhador, de 118 km de extensão, com esse objetivo.
Agricultura na Arábia
A Arábia Saudita é quase toda coberta por desertos. Mais de 75% da
água potável e usada na agricultura é retirada de lençóis freáticos. Os
projetos de irrigação transformaram o país em produtor e exportador de trigo,
mas a água deve acabar em 50 anos.
Como se recicla
O problema da seca não
pode ser resolvido só com o consumo da
água que existe, uma fonte que não é renovável. Por isso, estão sendo tentadas
— ou utilizadas cotidianamente — formas de reciclagem das águas já consumidas
nas cidades ou no campo, ou da maior fonte de água, os oceanos e mares.
- Árabes querem importar icebergs
- Os icebergs da Antártida que se desprendeu em 1991, podem vir a fornecer água.
- Esgotos são reoxigenados para uso
- Centros de tratamento com grandes misturadores
- Reoxigenam em tanques a água já usada.
- Usinas para dessalinização
- Vários países usam água dos oceanos, retirando o sal, em grandes usinas, bem parecidas com as refinarias de petróleo.
fonte:superinteressante
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