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terça-feira, 3 de março de 2020

O LADO OBSCURO DOS CONTOS DE FADAS

A coleção de histórias infantis mais famosa do mundo começou como um estudo acadêmico para adultos, quando Jacob e Wilhelm Grimm coletaram o folclore alemão nos anos 1800. Chapeuzinho Vermelho comeu a própria avó. Cinderela fugiu do pai incestuoso. Bela Adormecida engravidou enquanto estava dormindo. Os contos de fadas originais são muito mais cruéis do que se imagina. Surgiram em uma época em que feitiços, magias, canibalismo e alianças de poder realmente existiram. Você nunca mais vai ouvir um “era uma vez” do mesmo jeito.



Contos de fadas costumam entrar na sua cabeça antes mesmo que você os ouça.

O mundo dos livros infantis é cheio de violência, crueldade e – principalmente – pobreza. Tudo narrado de forma poética. As histórias infantis originais são muito mais sangrentas do que as versões que você conhece. E não são apenas obras de ficção. Escondidas nos contos infantis estão pistas sobre o nosso passado histórico, uma época em que a violência, crueldade, pobreza, bruxas, canibais e o medo faziam parte do dia a dia. O livro - O Lado Sombrio Dos Contos de Fada - Autor: Karin Hueck – Editora Abril. conta essas origens. O autor olha para séculos de mitologia e folclore para explicar como enredos tão violentos foram parar nas histórias que contamos para nossas crianças
O que não falta nessas histórias são mortes bizarras e sangrentas, estupro, canibalismo e todo tipo de loucura que naquele tempo era, de certa forma, mais normal do que é para nós hoje. No começo dos tempos modernos, contos de fadas eram diversão adulta. E desde que o ser humano é humano, adultos gostam de ouvir casos de desgraça, reviravoltas sanguinolentas, vingança e um pouquinho de sacanagem.


João e Maria 
A história narra a vida de uma família que é tão, mas tão pobre que a madrasta (ou a própria mãe, conforme versões) resolve abandonar os filhos na floresta porque os pais não conseguem mais alimentá-los. As crianças vagam sozinhas pela floresta escura até encontrar a casa de uma bruxa que decide comê-las. Ao final, a história inverte. Os irmãos acabam assassinando e roubando a bruxa.

Cinderela 
A mortalidade materna que explica a ocorrência das madrastas más nos contos de fadas. Cinderela teve uma, bem cruel. Branca de Neve também. Elas são as vilãs favoritas dos contos infantis – mas não são apenas personagens da ficção. Nos séculos passados, boa parte das crianças foi criada por mulheres que não eram as suas mães. E que não necessariamente se preocupavam com seu bem-estar. Quando uma mulher morria dando à luz, era comum que deixasse para trás os filhos mais velhos para o viúvo cuidar. Esse viúvo, ao se casar de novo, trazia para dentro de casa uma madrasta, que se via obrigada a criar os herdeiros do primeiro casamento. Em épocas em que os recursos eram escassos – e que havia apenas um bife para alimentar toda a família ou apenas um príncipe para virar genro -, é natural que os filhos biológicos levassem a melhor. Claro que nem todas as madrastas da história são más. O que os contos de fadas fizeram foi exagerar um comportamento comum: a predileção que as mães sentiam por seus próprios filhos em relação aos enteados. 

A Bela e a Fera 
Na história, o monstro aprisiona e se apaixona pela mocinha, que se recusa a casar com ele, porque o acha repugnante. Ao final de tudo, quando a Fera está à beira da morte, e se demonstra bondosa, a protagonista se pergunta: “Por que me recusei a casar com ele? Eu seria mais feliz com o monstro do que as minhas irmãs são com seus maridos. Nem inteligência, nem beleza fazem uma mulher feliz, mas virtude, doçura e complacência, e a Fera tem todas essas qualidades”. O medo de se casar com “feras” era presente na vida de todas as moças – das camponesas às princesas. Pouca gente percebe. Muitas mulheres se viam forçadas a se casar com seres terríveis e assustadores: maridos arranjados. Durante a maior parte da existência humana, os casamentos foram organizados por conveniência. Juntavam-se duas pessoas por interesses econômicos, políticos e sociais. Mulheres nobres eram cedidas a partir dos 12 anos de idade em troca de alianças políticas. Para os reis, era muito mais prático presentear o inimigo com uma filha em vez de entrar em guerra com ele. Mas as mulheres mais pobres também não escapavam dos casamentos forçados. Nas camadas populares, elas eram trocadas como mercadoria, já que costumavam vir acompanhadas do dote – um montante de dinheiro que a família da noiva era obrigada a pagar à do noivo. Para piorar, uma vez que se casavam com seus noivos arranjados, elas se tornavam posse dos maridos. A missão das esposas era servir e obedecer aos cônjuges. Claro que nem todos os maridos eram cruéis e violentos – mas se dar bem na roleta dos casamentos era puramente uma questão de sorte. 

Branca de Neve 
Era uma vez, em um reino distante, um rei que estava prometido para a princesa do reinado vizinho. Mas, todas as vezes em que ela tentava encontra-la, uma enorme tempestade se formava no mar e a noiva era impedida de se juntar a seu amor. O rei começou a suspeitar de bruxaria – alguém estava fazendo magia negra para impedir seu casamento, só podia. Logo, ele descobriu que um grupo de bruxas andava se reunindo de noite para invocar o diabo e destruir o matrimônio real. Furioso, mandou matar 70 feiticeiras de uma só vez e conseguiu, finalmente, se casar. A história acima seria apenas mais um conto de fada – se não tivesse acontecido de verdade. Ela ocorreu em 1591, o poderoso rei era Jaime 6º, da Escócia, e sua amada, Ana da Dinamarca. Eles realmente se casaram em 1589 na Noruega, depois de o monarca ter mandado matar dezenas de bruxas que supostamente estavam atrapalhando seu casamento. 
Nos contos, as bruxas são mulheres superpoderosas que conseguem praticar os feitiços mais elaborados para perseguir os mocinhos. Mas, na vida real, apenas os indivíduos mais fragilizados e esquecidos pela sociedade eram condenados por bruxaria. Elas costumavam ser acusadas por feitiçaria graças a boatos começados entre vizinhos. Qualquer coincidência infeliz era suficiente para condenar alguém por magia negra. Se duas vizinhas discutissem, por exemplo, e o filho de uma delas amanhecesse doente no dia seguinte, pronto: a outra era acusada de bruxaria. Para piorar, as acusadas eram torturadas para confessar seus “crimes”. Tinham os dedos esmagados, os membros estraçalhados, os olhos furados, as orelhas arrancadas. Eram impedidas de dormir e jogava-se ácido sobre elas. Às vezes, eram afogadas ou penduradas pelos braços amarrados atrás das costas. Ao final de alguns dias de tortura, quase todas as mulheres confessavam as coisas mais inacreditáveis: de fazer sexo com o diabo a impedir o casamento do rei. Nos livros de historinha, bruxas provocam medo e raiva. Mas, na vida real, tudo que conseguem despertar é pena. 


VERSÃO ORIGINAL DE ALGUNS CONTOS DE FADA 

Chapeuzinho numa noite alucinante
A versão original de Chapeuzinho Vermelho é do século 17 e costumava ser contada entre camponeses franceses. Envolve canibalismo, um striptease e uma proposta de golden shower. O começo é igual à historinha que você conhece: Chapeuzinho Vermelho é mandada para a casa da vovozinha doente no meio da floresta, mas o lobo chega antes dela. Nessa versão, o lobo mau não só mata a vó, como cozinha sua carne e separa seu sangue em um jarro na despensa. Quando a neta chega, o monstro – disfarçado de velhinha – diz para a menina se servir da refeição. Chapeuzinho se esbalda: come e bebe como se não houvesse amanhã, até um gato falante revelar que ela está se deliciando com a própria avó. Então o lobo convida a menina a entrar na cama com ele, só que sem roupas. A menina obedece, e vai jogando lentamente todas as peças de roupa – o avental, o vestido, as meias, os sapatos – na lareira acesa. Só então ela percebe a roubada em que se meteu. Desesperada, tenta sair da cama, mas o lobo mau não deixa. Então ela diz que precisa fazer xixi, mas o vilão não se abala: “faça aqui na cama, minha filha”. É apenas quando Chapeuzinho dá a entender que precisava fazer mais do que xixi para que o lobo permite que ela saia. A menina então sai da casa da avó e foge para sempre, salvando sua pele. 


A Pequena Sereia e o suicídio 
A sereiazinha é uma das filhas do rei do mar, que se apaixona por um príncipe terrestre. Para ir atrás de seu amor, a Pequena Sereia faz um acordo com a bruxa dos oceanos: troca a sua bela voz por um par de pernas. Assim, a recém-humana se aproxima do amado e passa meses tentando fazer com que ele se apaixone por ela – sem sucesso. O príncipe resolve casar com outra e a Pequena Sereia é convidada para o casamento, obrigada a assistir à felicidade alheia. Na noite de núpcias, desesperada, ela tenta matar o amado, mas desiste. Acaba se jogando no mar e virando espuma. 


Bela Adormecida, violada no sono 
Uma das versões mais antigas (e assustadoras) de A Bela Adormecida foi anotada no Pentamerone, do italiano Giambattista Basile, no século 17. Nela, a heroína, chamada Tália, espeta o dedo em uma farpa de linho e fica aparentemente morta, deitada num caixão. É quando aparece um príncipe que se encanta com sua beleza. Sem hesitar, ele resolve estuprá-la ainda dormindo e voltar para casa em seguida. Tália então permanece desacordada – mas agora grávida de gêmeos. Quando os bebês nascem, procuram o seio da mãe para se alimentar, mas acabam sugando seu dedo sem querer, o que tira a farpa do lugar e faz com que a Bela Adormecida finalmente desperte. Tália acorda confusa, procurando o pai de seus filhos e vai até o reino vizinho encontrá-lo. Acontece que o príncipe estuprador já era casado e, quando sua esposa descobre que ele teve gêmeos com outra, resolve matar as crianças e servi-las para o príncipe comer. Felizmente, o cozinheiro encarregado do infanticídio se nega a matar os gêmeos e os esconde em casa. Então a rainha traída resolve se vingar de Tália e manda montar uma enorme fogueira para queimá-la viva. Tália está quase sendo jogada no fogo quando o príncipe interrompe a vingança. Ele então coloca mais um crime em sua ficha. Além de estuprador, vira homicida: joga a esposa no fogo e finalmente se casa com a ex-Bela Adormecida. 

Rapunzel e as noites calientes 
Na versão original anotada pelos irmãos Grimm, no século 19, Rapunzel é presa ainda criança no alto de uma torre por uma bruxa terrível. Quando ela se torna adolescente, começa a receber a visita de um príncipe vizinho. Tantas foram as visitas que, misteriosamente, as roupas de Rapunzel começaram a ficar apertadas na cintura. Sim, nas primeiras versões da história, a mocinha engravida do príncipe encantado e dá à luz gêmeos pouco tempo depois. 

Branca de Neve, Bela Adormecida e o estupro 
Você já parou para pensar que desagradável seria se você estivesse dormindo e um estranho começasse a beijar sua boca? Mais ainda: se você fosse obrigado a se casar com essa pessoa depois? Pois um beijo não consensual é o destino (e ironicamente o final feliz) para Branca de Neve e Bela Adormecida. Ambas são salvas por príncipes que não as conhecem e resolvem beijá-las. Hoje, de acordo com a lei brasileira, um beijo desses poderia ser enquadrado como crime de violência sexual.
O conto João e Maria é recheado de crimes, segundo as lei brasileiras: 
  • abandono de incapaz;
  • apropriação indébita de bem alheio;
  • premeditação de crime; 
  • premeditação de assassinato com agravante de antropofagia;
  • crime hediondo;
  • roubo;
  • sequestro e cárcere privado - com agravante físico e moral;
  • subtração de incapaz;
  • e por fim tem-se a legitima defesa.

Os contos de fadas são bem mais desumanos  e impiedosos do que imagina. Você nunca mais vai ouvir um “era uma vez...” do mesmo jeito.


Um comentário:

  1. Gente! estragou minha infância... não quero mais ser princesa!

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CAROS LEITORES, SEJAM BEM VINDOS!

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