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sábado, 8 de setembro de 2012

JARDIM ROCHOSO DE MINAS


A paisagem agreste, castigada pelo sol ardente do cerrado, guarda mais segredos do que podem supor os olhos do viajante, e a primeira impressão será sempre enganosa. Em meio a suas pedras, o Parque Nacional da Serra do Cipó abriga a maior comunidade vegetal em espécies por metro quadrado do mundo.



As rochas pontiagudas, que inspiraram no século XIX o geólogo alemão Ludwig von Eschwege a batizar as montanhas com o nome de Cordilheira do Espinhaço, ainda se espalham por todos os recantos, a vegetação rala e seca reforça a sensação desolada das regiões áridas. Mas tudo não passa de uma miragem. Por trás desse cenário de aparência inóspita, repousa um dos mais belos santuários ecológicos brasileiros: ali onde já foi o fundo do mar, há 1,7 bilhão de anos, a natureza hoje abriga um jardim muito especial.
Com seus campos pedregosos, cortados agora pelas águas mansas de riachos que despencam em cachoeiras cristalinas, a Serra do Cipó, em Minas Gerais, tornou-se nos últimos anos um surpreendente laboratório a céu aberto. O filão de pesquisas para cientistas de todo o mundo é quase inesgotável. As inscrições rupestres lá encontradas ainda desafiam os arqueólogos a seguir as pistas da milenar presença humana e zoólogos já catalogaram na serra 131 espécies de aves, 56 de mamíferos e 35 de anfíbios, alguns sem similares em outras partes do planeta. É na riqueza da flora, no entanto, que ela revela todo o seu encanto. “Numa área de apenas 150km2 identificamos um número de espécies vegetais equivalente à metade das que existem em toda a Inglaterra".  
São mais espécies por metro quadrado do que na própria Amazônia — cerca de 5 000, boa parte delas endêmicas, ou seja, encontradas só naquela área — e de suas plantas já foram isoladas 150 novas substâncias por químicos brasileiros. Localizado na porção sul da Cordilheira do Espinhaço, urna sólida parede montanhosa que se prolonga até a divisa entre a Bahia e o Piauí, o Parque Nacional da Serra do Cipó foi criado em 1984 e engloba boa parte desse tesouro em sua área de 33 800 hectares, ou 338 quilômetros quadrados. Sua topografia, porém, remete a tempos bem mais distantes, quando, onde estão estas cadeias de montanhas, imperava o oceano.
"A Cordilheira do Espinhaço já foi um pequeno mar, possivelmente tão estreito quanto o Mar Vermelho, entre a África e a Península Arábica". Na época, América do Sul, África, Índia, Oceania e Antártida compunham um único supercontinente. "Quando essa placa continental começou a se cindir, surgiram fraturas por toda a crosta terrestre. O oceano que existia onde agora se encontra a cordilheira formou-se a partir da inundação de uma dessas fendas". As marcas desse tempo em que o sertão era mar ainda são nítidas na região. As rochas, inclinadas na mesma direção, são sinais das forças tectônicas que elevaram uma cordilheira onde antes estava a paisagem marinha. E o quartzito, formado pela consolidação das areias depositadas no fundo do mar, predomina na composição do conjunto de pedras do Parque Nacional da Serra do Cipó, hoje aboletado em altitudes que variam dos 900 até os 1 800 metros.
Esse berço rochoso que a exótica comunidade vegetal da serra, que tem nas sempre-vivas sua estrela mais popular, deve muito de sua personalidade. Graças ao solo, que praticamente não absorve água, as plantas de lá desenvolveram sua característica mais marcante: uma extraordinária capacidade de viver em ambientes hostis. Castigadas durante o dia pelo excesso de luminosidade e de calor — que aquece as pedras até os 50°C — , por um frio noturno capaz de baixar a temperatura dessas mesmas pedras a 0 grau e pela escassez de água, elas aprimoraram o nível de especialização que garantiu sua sobrevivência.
O primeiro obstáculo foi a falta de nutrientes. Como as chaves sempre foram escassas na região e a pouca água trazida pelas precipitações do verão escoa rapidamente devido à impermeabilidade do terreno, a flora teve que se adaptar para aproveitar a umidade do ar como principal fonte de sustento. As canelas-de-ema, por exemplo, da família das velosiáceas, desenvolveram uma espécie de falso caule, composto pelas bainhas das folhas velhas que caem: ao se ligarem ao ramo principal da planta, as bainhas vão formando uma camada protetora para as raízes que nascem coladas ao caule. Encobertas por essa capa, elas passam a acumular água como se fossem uma esponja. "Apesar da aparência espessa, o caule real não tem mais do que um centímetro". Sua prima, a Vellozia glabra, tem como dote especial minúsculos orifícios em suas folhas (estômatos), situados em fendas que permanecem abertas quando há muita água disponível e são fechadas quando o precioso líquido escasseia.
Mesmo buscando surpreendentes mecanismos de sobrevivência, as plantas rupestres apresentam floradas belíssimas para quem tem oportunidade de aprecia-las. "A multiplicidade de tipos e gêneros é tamanha que a Serra do Cipó está sempre florida, não importa a época do ano. Há flores para a primavera, verão, outono e inverno. São orquídeas, bromélias, margaridas, cactos, ipês, quaresmeiras e, principalmente, as famosas sempre-vivas, aquelas flores secas que não murcham nem perdem a cor, utilizadas na ornamentação de vasos e na decoração de embrulhos de presentes.
As pinturas rupestres da Lapa Sucupira, uma enorme cavidade esculpida nas rochas nos últimos 20 000 anos pelas enxurradas, não tiveram tanta sorte. Embora fique nos limites do município mineiro de Santana do Riacho, onde se encontra boa parte do território do parque nacional, o sítio arqueológico está oficialmente fora de proteção. Ali, foi encontrado um cemitério que pode ser o mais antigo do mundo, já que até hoje nenhum arqueólogo encontrou um terreno reservado exclusivamente aos mortos que remontasse a 15 000 anos. Nas suas paredes, os desenhos estampados através de milênios registram imagens que vão dos veados e peixes cercados por figuras antropomorfas, datados entre 8 000 e 7 000 anos atrás, até figuras humanas menores e mais naturalistas, provavelmente feitas há 2 000 anos.
O mundo florido da Serra do Cipó é também a residência eleita de uma impressionante quantidade de pássaros. Beija-flores ali não faltam. Milhares deles se alimentam do néctar e, em troca da polinização, ajudam a perpetuação dos vegetais. Alguns são particulares daquela região, como o Leucochloris albicolis, de cor verde metálico e pescoço branco.Quase toda essa riqueza natural está hoje sob o manto protetor do Parque Nacional da Serra do Cipó. A devastação não ameaça tanto como no passado o paraíso onde os campos rupestres, cravados de pedra, a secura do cerrado e as matas ribeirinhas convivem em harmonia. Com a beleza das mais de sessenta cachoeiras e dos desfiladeiros de até 80 metros de profundidade em meio a suas colinas, esse pequeno pedaço da serra que serviu de rota para os bandeirantes, foi vasculhado pela ambição da corrida do ouro no século XVIII e calçado pelas mãos dos escravos negros, pertence agora ao futuro.

FONTE: superabril/serradocipo.com.br/portalcipo/wikipedia

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