Em novembro de 1971, o biólogo alemão Harald Sioli, do Instituto Max Planck, então fazendo pesquisas na Amazônia, foi entrevistado por um repórter de uma agência de notícias americanas. O jornalista estava interessado na questão da influência da floresta sobre o planeta e o pesquisador respondeu com precisão a todas as perguntas que lhe foram feitas. Mais tarde, porém ao redigir a entrevista, o repórter acabou cometendo um erro que ajudaria a criar um dos mais persistentes mitos sobre a floresta amazônica. Numa de suas respostas, Sioli afirmara que a floresta continha grande porcentagem de dióxido de carbono (CO2) existente na atmosfera. No entanto, ao transcrever a declaração, o jornalista esqueceu a letra C - símbolo do átomo de carbono - da fórmula citada pelo biólogo, que ficou no texto como O2, o símbolo da molécula de oxigênio.
A reportagem com o oxigênio no lugar do dióxido de carbono foi publicada pelo mundo afora e assim, da noite para o dia, a Amazônia se tornou conhecida como “pulmão do mundo”.
Uma expressão de grande impacto
emocional que tem ajudado a semear a confusão no debate apaixonado sobre os
efeitos ambientais em larga escala da ocupação da floresta. É um debate em que,
por enganos, como aquele, maus argumentos acabam sendo usados para escorar uma
causa justa.
De resto, não é tão simples assim
achar as verdades definitivas sobre o papel que a floresta desempenha no
quebra-cabeça ambiental, num mundo assolado por espectros do tipo efeito
estufa, desertificação, chuva ácida e destruição da camada de ozônio, para citar
apenas os mais assustadores.
As teimosas referências ao
“pulmão do mundo”, nesse contexto, são exemplares. Pois a floresta amazônica, simplesmente, não é o pulmão do mundo. E o
motivo não é difícil de entender. As árvores, arbustos e plantas de pequeno
porte, da mesma forma que os animais, respiram oxigênio durante as 24 horas do
dia. Na floresta, a quantidade desse gás produzida de dia pelas plantas é
totalmente absorvida durante a noite, quando a falta do sol interrompe a
fotossíntese. Os vegetais são capazes de criar eles próprios os alimentos de
que precisam. O responsável por essa característica é justamente a
fotossíntese.
Na presença da luz solar, graças
a uma molécula chamada clorofila, que lhes dá a coloração verde característica,
as plantas, incluindo as algas e o plâncton marinho, retiram da atmosfera
dióxido de carbono e o transformam em carboidratos, principalmente glicose,
amido e celulose. Desta sucessão de reações químicas, sobra o oxigênio, do qual
uma parte é aproveitada para os processos respiratórios dos vegetais e outra é
lançada na atmosfera. Quando a planta é jovem, em fase de crescimento, o volume
de oxigênio produzido na fotossíntese é maior que o volume necessário à
respiração. Nesse caso, a planta produz mais oxigênio do que utiliza.
A Amazônia não constitui uma
floresta em formação. Ao contrário, é um exemplo da plenitude do ecossistema -
interação entre um ambiente e os seres vivos que o habitam - chamado floresta
tropical úmida. Nela, portanto, os seres vegetais já crescidos consomem todo o
oxigênio que produzem. Apesar de não ser o pulmão do mundo, a floresta
amazônica apresenta outras características que muito contribuem para a
manutenção da vida no planeta.
As florestas são grandes
fixadoras do carbono existente na atmosfera. Devido à queima de combustíveis
fósseis - gás, carvão e petróleo -, o carbono se acumula cada vez mais na
atmosfera na forma de dióxido de carbono, metano e compostos de
clorofluorcarbono. Esse acúmulo é responsável pelo chamado efeito estufa, o
aprisionamento de energia radiante que, se suspeita, tende a aumentar a
temperatura global da Terra, com efeitos catastróficos também para o homem. Nesse
quadro, as florestas exercem uma função essencial na condição de maiores
controladoras do efeito estufa. Assim pode-se dizer que a floresta
amazônica é o “grande filtro” do planeta.
Uma controvérsia que frequentemente
aquece a discussão sobre a floresta amazônica diz respeito à parte que cabe às
queimadas na região na acumulação de CO2 na atmosfera. Os cálculos mais aceitos
mostram que os desmatamentos por queimadas de todas as florestas do globo
contribuem com 16 por cento do acúmulo de dióxido de carbono. Mesmo que toda a
floresta amazônica fosse queimada, “o aumento da concentração do gás seria da
ordem de 2 por cento”. Dito desse modo pode-se ter a impressão de que pouco
importa para o clima planetário haver ou não uma Amazônia. Nada mais errado - e perigoso. Pois, além de serem controladores do
efeito estufa, as florestas - no caso, somente tropicais - podem exercer enorme
influência sobre o clima do globo. A Amazônia, ainda é uma grande máquina de
produzir calor. Daí seu papel decisivo para manter estável o clima nos países
do hemisfério norte.
A produção de calor na floresta resulta das altas taxas de
evaporação e transpiração no local. Na Amazônia, cerca de 80 a 90 por cento de
energia disponível é consumida nesses processos. Quando o vapor de água se
condensa para formar nuvens, libera a mesma quantidade de energia que foi
necessária à sua evaporação. À medida que as nuvens crescem, vão convertendo
mais vapor em gotas de água, aquecendo a atmosfera circundante. Há dias na
Amazônia em que a temperatura nas camadas mais altas - cerca de 10 mil metros
do solo - chega a aumentar 30 graus. Essa fantástica quantidade de calor é
então transportada para fora dos trópicos, rumo ao hemisfério norte.
Além da Amazônia, existem duas
outras grandes fontes de calor no planeta. Uma é a floresta tropical da bacia
do rio Congo, na África Central. A outra é de origem oceânica: uma região do
Pacífico próxima ao norte da Austrália e à Indonésia, onde uma confluência de
correntes faz com que a temperatura da água esteja sempre entre os 27 e 31
graus. As altas temperaturas fazem com que as taxas de evaporação sejam
igualmente elevadas, promovendo a formação de nuvens e a consequente produção
de calor. A destruição da floresta poderia alterar dramaticamente o clima dos
países do hemisfério norte, segundo os climatologistas. “Sem o transporte de
calor dos trópicos”, esses países passariam a ter invernos ainda mais frios e
mais longos.
Toda floresta é um ecossistema extremamente complexo
As florestas
constituem o ponto final do processo evolutivo dos ecossistemas terrestres no
planeta. Elas representam o máximo de vida possível em um determinado espaço. A
tendência natural da vida na Terra é produzir florestas. Existem três grandes
tipos de floresta no mundo - a boreal, encontrada nas altas latitudes do
hemisfério norte; as temperadas, que existem nos Estados Unidos, norte da
Europa e na Ásia; e as tropicais, mais próximas do equador, que cobrem 7 por
cento da superfície da Terra e abrigam pelo menos a metade das espécies do
planeta. Cada qual tem suas especificidades e características próprias, mas as
três apresentam uma coisa em comum: são exemplos bem-sucedidos da colonização
de extensas áreas pelos vegetais. A floresta amazônica provavelmente é melhor
exemplo. Arraigada a solos pobres em minerais e material orgânico, a floresta
não só se auto-sustenta e se mantém como também exibe uma exuberância e uma
riqueza de espécies inigualável em todo o planeta. Estimativas talvez até
conservadoras dizem que a Amazônia abriga cerca de 80 mil espécies vegetais e
possivelmente 30 milhões de espécies animais - a grande maioria insetos.
Examinada mais de perto, a
floresta amazônica parece um paradoxo ecológico. De fato, como a maior floresta
do mundo consegue existir em solos tão ralos e secos, que não chegam a oferecer
sustentação às plantas, obrigadas então a espalhar suas raízes para adquirir
estabilidade? Milhões de anos de chuva levaram os solos antigos da Amazônia,
que na sua configuração atual existe há uns 15 mil anos, transportando para os
rios e depois para o mar toda a sua riqueza mineral. Para enfrentar o problema,
os vegetais parecem ter inventado esquemas alternativos de sobrevivência. Em
resumo, aprenderam a se alimentar por si mesmos.
Ao contrário do que ocorre na
floresta, cujos solos são nutritivos, os ciclos de vida na floresta tropical -
principalmente na Amazônia - devem ser mais velozes. As folhas das árvores caem
mais depressa e uma vez no solo se decompõem mais rapidamente para que seus
nutrientes possam ser reaproveitados no menor tempo possível pelos vegetais ao redor.
Isso faz com que o suprimento vital de alimento da floresta esteja armazenado
em sua própria folhagem. Assim, a riqueza das florestas tropicais está na massa
vegetal, não no solo. Isso enganou - e ainda engana - aqueles que, diante das
árvores portentosas, acharam que os solos da floresta seriam tão férteis que
neles em se plantando tudo daria.
A Amazônia é o reino vegetal por
excelência, porém, a fauna não é tão abundante. Existem somente 30 quilos de
herbívoros por hectare, por exemplo. A razão desse outro paradoxo é a mesma da
anterior. Apesar da exuberância e variedade, as espécies vegetais da floresta
são extremamente pobres em vitaminas e nutrientes, o que as torna inadequadas
ao sustento de rebanhos animais.
Cada espécie tem suas
características próprias quanto à disposição das raízes no solo e ao
aproveitamento dos nutrientes. Assim, quanto maior a diversidade numa área,
maior o aproveitamento de todos. Praticamente nada é perdido. Na Amazônia, a
competição parece ter alcançado um estágio de requintado equilíbrio. A
variedade de espécies vegetais só é igualada pela de insetos, vermes e outros
ínfimos seres que constituem a micro-fauna da floresta
UMA COISA É ABSOLUTAMENTE CERTA
A preservação da variedade
genética da floresta amazônica - que faz da região uma espécie de banco de
genes, o maior do mundo - deve ser um dos argumentos mais fortes contra o
desmatamento por atacado e a ocupação sem critério da Amazônia. Pois, por mais
abstrato que esse argumento possa parecer aos invasores do local - desde os
simples colonos que migraram de outras regiões às empresas multinacionais de
mineração - cada espécie é única e insubstituível e sua destruição pode
significar a perda de um importante acervo genético, de incalculável valor
prático para o homem.
Apenas se começa a aprender a ler
informações contidas nas florestas tropicais - e existe aí uma verdadeira enciclopédia
a ser conhecida. Os índios com certeza têm algo a ensinar nesse vasto capítulo.
Os antropólogos descobriram que cada comunidade indígena que habita a Amazônia
dispõe de um cardápio de pelo menos cem plantas e um receituário de duzentas
espécies vegetais. Um exemplo relativamente recente da utilização do estoque
genético da floresta é o desenvolvimento de um remédio contra a hipertensão -
inspirado no veneno da jararaca. Essa cobra mata sua presa com uma substância
tóxica que reduz a zero a pressão sanguínea do animal. Os estudos sobre a ação
do veneno no organismo trouxeram informações valiosas para o reconhecimento da
pressão no ser humano. É esse patrimônio que deve ser preservado junto com as
florestas dia.
O debate em torno da preservação
das florestas tropicais ainda está longe de se esgotar. A maioria das previsões
- menos ou mais desastrosas - que se faz nesse campo está atrelada a modelos
matemáticos, muitas vezes passíveis de falhas. De todo modo, enquanto os
especialistas conferem suas projeções, fatos acontecem. E a ideia de preservar
indefinidamente a floresta amazônica se mostra cada vez mais impraticável. Essa
realidade não escapa a observadores como o insuspeito ecologista Jacques-Yves
Cousteau, o oceanógrafo que chefiou uma expedição à região em 1982. “A Amazônia
não pode ser intocável”, concorda o deputado federal paulista Fábio Feldman,
presidente da entidade ecológica Oikos. Para ele, no entanto, “como a vocação
da Amazônia é essencialmente florestal, é necessária a sua utilização racional,
menos predatória”.
A questão que está posta é
rigorosamente esta: conjugar o desenvolvimento e a abertura de novas fronteiras
com o delicado equilíbrio que sustenta os ecossistemas da floresta tropical.
Iniciativas como a construção de grandes hidrelétricas devem ser planejadas
cuidadosamente, se bem que seus efeitos a longo prazo para a floresta ainda
sejam desconhecidos. Não se pode perder de vista um dado essencial” o
conhecimento sobre a dinâmica das florestas tropicais ainda é muito precário.
Não ocorre o mesmo com as florestas temperadas do hemisfério norte. Por sinal,
ao contrário do que se imagina, essas florestas vêm aumentando sensivelmente
nas últimas décadas.
Na França, por exemplo, representam atualmente
cerca de 30 por cento do território - menos em todo caso que ao tempo da Revolução
de 1789. Calcula-se que a chuva ácida e a poluição danificaram pouco mais de um
quinto das áreas florestais na Europa. No Japão, o último relatório anual sobre
a situação do meio ambiente no país mostra que 67 por cento do arquipélago está
coberto de florestas. Se a isso se somarem as áreas ocupadas por lagos,
montanhas, neves eternas e pradarias, se verá que ali as regiões naturais
chegam a 80 por cento da área total. Em resumo, toda a extraordinariamente
vigorosa economia do Japão brota numa área inferior a do Rio de Janeiro - prova
de que a propriedade não é incompatível com a preservação da natureza. Ou com
seu uso inteligente, quando há outra alternativa.
SE A AMAZÔNIA NÃO É O PULMÃO DO MUNDO, QUAL É ENTÃO?
Afinal, o que produziu o oxigênio
da atmosfera da Terra e ainda mantém os seus níveis praticamente constantes?
A maior parte da teorias afirma que o oxigênio
foi originalmente levado à atmosfera pelo processo da fotossíntese. Portanto,
segundo essa hipótese, foram os vegetais primitivos, as algas e o fitoplâncton
- pequenos organismos que vivem, aos milhões, suspensos na água do mar - os
responsáveis pela produção e acúmulo do gás na atmosfera terrestre.
Outras teorias sustentam que o
oxigênio, ou pelo menos a maior parte dele, teve origem inorgânica, a partir da
fotodissociação da molécula de água. A fotodissociação consiste na separação de
um átomo de oxigênio da molécula H2O, devido às radiações ultravioleta. Embora
essa hipótese tenha seus defensores, as evidências fósseis e geológicas indicam
que o oxigênio teve mesmo origem nos oceanos, confirmando a vocação da água
como a grande fonte de vida na Terra.
IDEIAS PARA PROTEGER A AMAZÔNIA
Como seria de esperar, quem mais
entende do aproveitamento da floresta tropical são os nativos da Amazônia -
índios, caboclos e seringueiros. Eles têm sobrevivido à custa do verde sem
causar danos sérios à floresta - ao contrário, portanto, dos colonos vindos de
fora e dos garimpeiros de Serra Pelada, as grandes corporações minerarias. Seu
segredo parece ser a utilização de procedimentos que levam em conta
naturalmente a ecologia da região. As clareiras abertas para o cultivo não
ultrapassam 1 ou 2 hectares. Depois que a terra se exaure, a clareira que fica
não é muito maior do que a formada por uma grande árvore que tivesse caído ali.
A solução para o aproveitamento da floresta seria a criação de reservas
extrativistas, nas quais as atividades econômicas estariam perfeitamente
afinadas com a ecologia das matas. A suspensão de incentivos fiscais para
projetos na região, a regulamentação da exportação de madeira, a desapropriação
de áreas de interesse florestal e o controle do uso de agrotóxicos na floresta.
Outra seria dirigir os créditos oficiais apenas para investimentos que não
impliquem a destruição da floresta.
fonte: superabril/ sosamazonia.org/ greenpeace.org/Brasil / brasil.gov.br › Meio Ambiente
Nenhum comentário:
Postar um comentário
CAROS LEITORES, SEJAM BEM VINDOS!