Geni e o Zepelim, foi uma das músicas mais divulgadas e de maior sucesso da "Ópera do Malandro" um musical lançado em 1978. A música Expressa crítica a hipocrisia e ao poder, ela reinou nos conhecidos "anos de ferro", em plena ditadura militar no Brasil. Foi escrita por Chico Buarque de Holanda.
GENI OU MARIA MADALENA?
A letra descreve, em versos, a longa história que define o episódio ocorrido com Geni, uma travesti (segundo representado na "Ópera do Malandro"), que era hostilizada na cidade. Mas pela música entende-se que Geni era uma prostituta.
Geni E O Zepelin
Chico Buarque
De tudo que é nego torto /Do mangue e do cais do porto /Ela já foi namorada /O seu corpo é dos errantes /Dos cegos, dos retirantes /É de quem não tem mais nada /Dá-se assim desde menina /Na garagem, na cantina /Atrás do tanque, no mato /É a rainha dos detentos /Das loucas, dos lazarentos /Dos moleques do internato /E também vai amiúde /Com os velhinhos sem saúde /E as viúvas sem porvir /Ela é um poço de bondade /E é por isso que a cidade /Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni /Joga pedra na Geni /Ela é feita pra apanhar /Ela é boa de cuspir /Ela dá pra qualquer um /Maldita Geni
Um dia surgiu, brilhante /Entre as nuvens, flutuante /Um enorme zepelim
Pairou sobre os edifícios /Abriu dois mil orifícios /Com dois mil canhões assim
A cidade apavorada /Se quedou paralisada /Pronta pra virar geleia /Mas do zepelim gigante /Desceu o seu comandante /Dizendo – Mudei de ideia /– Quando vi nesta cidade /– Tanto horror e iniquidade /– Resolvi tudo explodir /– Mas posso evitar o drama /– Se aquela formosa dama /– Esta noite me servir
Essa dama era Geni /Mas não pode ser Geni /Ela é feita pra apanhar /Ela é boa de cuspir /Ela dá pra qualquer um /Maldita Geni
Essa dama era Geni /Mas não pode ser Geni /Ela é feita pra apanhar /Ela é boa de cuspir /Ela dá pra qualquer um /Maldita Geni
Mas de fato, logo ela /Tão coitada e tão singela /Cativara o forasteiro /O guerreiro tão vistoso /Tão temido e poderoso /Era dela, prisioneiro /Acontece que a donzela /– e isso era segredo dela /Também tinha seus caprichos /E a deitar com homem tão nobre /Tão cheirando a brilho e a cobre /Preferia amar com os bichos /Ao ouvir tal heresia /A cidade em romaria /Foi beijar a sua mão /O prefeito de joelhos /O bispo de olhos vermelhos /E o banqueiro com um milhão
Vai com ele, vai Geni /Vai com ele, vai Geni /Você pode nos salvar /Você vai nos redimir /Você dá pra qualquer um /Bendita Geni
Foram tantos os pedidos /Tão sinceros, tão sentidos /Que ela dominou seu asco /Nessa noite lancinante /Entregou-se a tal amante /Como quem dá-se ao carrasco / Ele fez tanta sujeira / Lambuzou-se a noite inteira /Até ficar saciado/
E nem bem amanhecia /Partiu numa nuvem fria /Com seu zepelim prateado /Num suspiro aliviado /Ela se virou de lado /E tentou até sorrir /Mas logo raiou o dia /E a cidade em cantoria /Não deixou ela dormir
Joga pedra na Geni /Joga bosta na Geni /Ela é feita pra apanhar /Ela é boa de cuspir /Ela dá pra qualquer um /Maldita Geni
- Geni é apresentada como sendo promíscua. A personagem vai sendo construída aos poucos. As características vão sendo narradas em recortes que vão desde a sua infância até o momento da música.
- Ocorre a chegada do zepelim, de modo grandioso e temeroso. Neste momento Geni é transformada em heroína, já muda o modo de se referir à personagem que é agora tratada por donzela.
- Passando ao momento do encontro entre Geni e o comandante do zepelim, com o trágico fim: de heroína, Geni volta a ser personagem da margem social. A volta ao submundo.
Análises da Música
Realismo
- Os aspectos realistas da música criticam duramente a hipocrisia da sociedade. Geni foi corrompida por toda a sua vida. Desde cedo, em uma vida sofrida, assumiu a profissão do prazer. Amava o que fazia, e amava o perfil de quem fazia. Amava os pobres, os sujos, os humilhados. Amava pessoas como ela. Geni sempre fora a vítima do meio social, e quando houve o medo por parte de todos, ela era a única salvação, eis que em romaria todos a procuram. Ela os salva, e no dia seguinte, volta a ser a culpada por uma vida que todos desprezavam. Geni são todos os que um dia serviram para alguma coisa. A música mostra o grande preconceito revelando o caráter pseudo-moralista e hipócrita da sociedade.
- Chico usa uma estória surreal, intencionalmente exagerada de fantasia, para mostrar que a sociedade pode ser muito hipócrita com um de seus membros, somente pelo fato deste ser “diferente” do que prega os costumes vigentes e tradicionais. Desta forma, somente por ser homossexual ou prostituta(depende da interpretação) Geni é escorraçado por aquela sociedade, que não reconhece nenhum de seus valores, mas não se furta em bajulá-lo(a), quando ele(a) se torna conveniente e “útil”, para, em seguida, após satisfeita em seus interesses, voltar a humilhá-lo(a), numa espécie de moto-contínuo eterno.
Político
- Refere-se a criticar instituições específicas de poder tais como: as autoridades (“o prefeito de joelhos”), a Igreja (“O bispo de olhos vermelhos”) e os Burgueses (“O banqueiro com um milhão”), o militarismo (“Abriu dois mil orifícios/ Com dois mil canhões assim”).
- Há também uma interpretação que diz : Geni é na verdade nossa pátria, tão abusada por todos, o Zepelim são os estrangeiros, que sempre foram donos do Brasil(“Lambuzou-se a noite inteira/Até ficar saciado/E nem bem amanhecia/Partiu numa nuvem fria”).
- Analisa o período do regime militar brasileiro ( durou de 1964 a 1985), e a economia do Brasil, sob tamanha influências estrangeiras. Onde as transnacionais chegam em nosso território e dominam (Tão coitada e tão singela/Cativara o forasteiro/O guerreiro tão vistoso/Tão temido e poderoso”).
MUITO BOM
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