Seca, enchentes, nevascas... O que está havendo com o clima? Não é de hoje que é impossível prever e controlar o tempo. Não é de hoje também que tragédias naturais matam muita gente. Será que você não devia estar mais preocupado com isso?
Chuva no Nordeste, seca no Rio Grande do
Sul e nevascas no Egito. Invernos quentes e verões frios. O clima no mundo
parece ter enlouquecido. Pesquisas recentes atestam que os eventos climáticos
extremos, que fogem à normalidade, foram mais frequentes nas últimas três
décadas. Comparados ao comportamento “normal” do clima, aquele baseado no
relato de nossos avós e bisavós, esses acontecimentos parecem inéditos. Mas não
são. A história do clima, como você verá, é bem mais atribulada.
CLIMÁTICA EXTERMINOU POPULAÇÃO HUMANA
Os primeiros colonos ingleses na América do
Norte se instalaram em 1587 na ilha de Roanoke, Virgínia, costa leste dos
Estados Unidos. Era uma gente corajosa. Eles sabiam que, como a Inglaterra
estava em guerra, tão cedo não haveria barcos para visitá-los. Teriam que viver
com os frutos da terra. O novo mundo parecia promissor e a tarefa não soou
impossível. No entanto, quando o primeiro navio de suprimentos voltou, três
anos depois, sua tripulação teve uma surpresa: os colonos haviam sumido. Não
sobrara ninguém para contar o que houve. Ninguém, exceto as árvores do local.
Foi há apenas 20 anos, observando a espessura de seus troncos, alguns com 800
anos de idade, que os cientistas decifraram o que houve em Roanoke quatro
séculos atrás. A tragédia, concluíram, foi causada pelo clima: entre 1587 e
1589 ocorreu a maior seca dos últimos oito séculos em Roanoke. Os colonos haviam
chegado bem no começo da estiagem. Morreram de fome.
Os maias, que dominaram a América Central até o
século VIII, sumiram do mapa durante uma forte seca, segundo nos contam
sedimentos depositados no fundo dos lagos da região.
Os acadianos, que formaram a primeira
cidade na Mesopotâmia, há 4 100 anos, também foram vítimas do clima, devido a
uma seca provocada pelo esfriamento das águas do Atlântico Norte. Como os
cientistas descobriram isso? Primeiro, encontraram, nos sedimentos do Golfo de
Omã (entre o Golfo Pérsico e o Mar da Arábia), grandes quantidades de poeira
vinda da Mesopotâmia naquela época. Ou seja, o clima estava árido. Sabe-se
também que, naquela época, houve um esfriamento no Atlântico Norte, que reduziu
a temperatura das águas entre 1ºC e 2ºC. Os instrumentos de medição
atuais mostram que, quando o Atlântico Norte esfria, diminui o suprimento de
água na Mesopotâmia.
Essas desgraças do passado permitem duas
conclusões
A primeira é que não há nada de
inédito nas tragédias que vivemos hoje. Os desastres dos maias e dos acadianos
foram causados por eventos de uma intensidade que o homem moderno nunca viu,
mas é 100% certo que tais catástrofes ocorrerão novamente, segundo Peter
deMenocal, da Universidade de Columbia, Estados Unidos, um dos maiores
especialistas em clima no mundo. “Secas com duração de vários séculos são
raras, mas fazem parte da variabilidade natural.”
A segunda conclusão é que, embora
naturais, esses eventos climáticos radicais são, de fato, ameaçadores e podem
causar grandes danos. Estamos, então, correndo o risco de extinção? Nem tanto.
Mas, sem dúvida, há com o que se preocupar. Sociedades complexas são capazes de
se adequar a alterações climáticas, mas não são infinitamente adaptáveis.
Porém, há no horizonte uma mudança
climática importante que foge à variabilidade natural do clima: a Terra está
esquentando. Os cientistas divergem sobre as causas e os efeitos da alteração,
mas sua existência é um consenso em 100 anos, os termômetros subiram
0,5ºC, em média. Não é pouco. Durante a última era glacial, que terminou
há 10 000 anos, a temperatura do planeta era apenas 3ºC
mais baixa que hoje, mas o gelo ártico chegava à Grã-Bretanha. Nos últimos 50
milhões de anos, todos os vai-vens do clima, o início e o fim das eras glaciais,
foram disparados pelo Sol. É que, embora não se perceba a posição do Sol
em relação à Terra varia levemente ao longo de milhares de anos e
isso muda a quantidade e a distribuição da energia que o astro emite sobre o planeta.
Uma das mudanças, por exemplo, é no eixo de inclinação da Terra em
relação ao Sol, que varia a cada 41 000 anos. Isso altera a incidência de luz
solar sobre certas áreas do globo, o que acarreta mudanças por aqui. Faz muita
diferença se a área mais iluminada é um oceano ou terra nua, por
exemplo.
Na Terra, três fenômenos acompanham esse balé solar
São eventos independentes, ocorrem de forma simultânea e se intensificam mutuamente.
São eventos independentes, ocorrem de forma simultânea e se intensificam mutuamente.
O primeiro ocorre nos oceanos. Quando a água
esquenta, ela perde a capacidade de reter gases, entre eles o gás carbônico
(também conhecido como CO² ou dióxido de carbono) dissolvido. Cerveja quente
não faz mais espuma? Pois então: aquelas borbulhas também são gás carbônico. E
há gás de sobra para ser liberado. Há, hoje, dissolvido nos mares, 50 vezes
mais CO² que a quantidade existente na atmosfera. E daí? Daí que, na atmosfera,
o dióxido de carbono é um dos mais importantes agentes do efeito estufa.
Agindo nas camadas superiores, o CO² aprisiona a energia do Sol e aquece a Terra .
Por conta disso, a concentração de CO² sempre acompanhou o clima: nos períodos
mais quentes, havia muito gás carbônico no ar; nos tempos mais frios, pouco.
Assim, quando o oceano libera o dióxido de carbono, o resultado é mais aquecimento.
O segundo gatilho é disparado quando o calor aumenta a evaporação
de água, , pois o vapor de água é um gás do
efeito estufa ainda mais potente que o gás carbônico. Conclusão: ainda mais
calor. Por fim, derretem-se as calotas polares, que refletem 70% da luz solar
que recebem. Qualquer superfície que as substitua – água, terra ou vegetação – refletirá menos luz (mais fervura). Esse
círculo vicioso só pode ser interrompido por uma nova mudança do ciclo
astronômico.
O terceiro é a queima de
combustíveis fósseis.
A novidade é que, pela primeira
vez, está havendo uma mudança climática global em que o Sol não é o ator
principal. “A maior parte do aquecimento observado nos últimos 50
anos se deve ao aumento da concentração de gases estufa”, diz o relatório IPCC.
Ou seja, o aquecimento atual não foi disparado pelos ciclos
astronômicos, mas pelo gás carbônico, cuja concentração atual no ar é – seguramente – a maior dos últimos 400 000 anos. Tudo graças (carvão, petróleo), que,
desde o início da Revolução Industrial, aumentou 600 vezes a emissão de CO² na
atmosfera, de 10 milhões de toneladas por ano para 6 bilhões de toneladas
anuais. Quando queimamos petróleo e carvão, devolvemos à atmosfera uma reserva
de carbono que vem se acumulando há bilhões de anos e que, sem nossa ajuda, não
voltaria ao ciclo natural.
Bem, e quando começam os efeitos
do aquecimento?
Para alguns, as
maluquices climáticas atuais já são consequência do calor extra. Mas a maioria
dos cientistas é mais cautelosa em suas conclusões. Diz-se que o estudo do
clima é complexo, envolve muitas variáveis e que uma verdade hoje pode ser
um fiasco amanhã. Por enquanto, os especialistas só admitem o óbvio, como a
elevação da superfície dos oceanos, que foi de 10 a 25 centímetros no século
passado. Mas há outros sinais mais sutis. A nebulosidade, por exemplo,
aumentou. Por sua vez, a cobertura de neve diminuiu ao menos no Hemisfério
Norte, onde o assunto já foi pesquisado: uma queda de 10% nas décadas de 70 e
80. Ainda no Norte, na década de 80 o outono chegou mais tarde, o que ampliou
em 12 dias o período de crescimento vegetal. Resultado: o Norte ficou 10% mais
verde no verão em comparação com a década anterior. Ou seja, em certas áreas, o aquecimento pode
significar um aumento da cobertura vegetal em vez de devastação e
desertificação, como é de supor à primeira vista. Quando ocorrem grandes
mudanças ambientais, sobrevivem as espécies com maior capacidade de adaptação.
A raça humana, que já sobreviveu a uma era glacial, tem grandes chances de
superar mais essa mudança, mas alguns ficarão pelo caminho: os mais pobres. O aquecimento,
por exemplo, deve mudar o regime de chuvas, causar fome e quebras de safra. Para
muitas espécies, no entanto, o trauma deve ser maior. Entre outras mudanças, o aquecimento
está empurrando as zonas climáticas em direção aos polos, ou seja, áreas hoje
ocupadas por florestas temperadas poderiam ter clima propício para matas
tropicais. Sem ter para onde ir, essas
formas de vida simplesmente deixarão de existir, em uma perda importante de
biodiversidade e um enfraquecimento da rede da vida. Os ecossistemas seriam simplificados. Os
parques e as reservas naturais, imobilizados em suas fronteiras atuais,
restariam inúteis. Mas tudo isso são hipóteses. No atual estágio do estudo do
clima, não é possível fazer mais que isso.
Saiba o que impulsiona e o que ameaça as correntes marítimas
LUTA ETERNA
As águas se movem ao tentar equilibrar as
diferenças de salinidade e temperatura dos oceanos. Um ciclo dura 1
000 anos.
A BOMBA
A água quente corre pela superfície. A
fria, pelo fundo. O Mar do Labrador é o único lugar do mundo onde a água
esfria e afunda. Isso impulsiona o sistema.
O PERIGO
Teme-se que o aquecimento derreta
gelo demais e impeça o afundamento. A Corrente do Golfo, cujo volume é 800
vezes maior que o do Amazonas, não chegaria à Europa. O continente esfriaria,
porque as correntes quentes liberam energia nas regiões frias
Cronologia do clima
4,6 bilhões - O planeta se forma.
A atmosfera tem muito dióxido de carbono e quase nenhum oxigênio. A temperatura na
superfície é de 1 0000C.
4,4 bilhões - A crosta da Terra endurece.
Nascem os oceanos
4 bilhões - Fim da chuva de meteoros que
assolou o planeta
3,5 bilhões - Nos oceanos vivem bactérias
que fazem fotossíntese e substituem o CO2 do ar por oxigênio
2,2 bilhões - Pela primeira vez há oxigênio
livre no ar. O nível de CO2 cai e o clima esfria. Começa a glaciação
550 milhões - O nível de oxigênio no ar
sobe. Surgem os seres multicelulares e diferenciados
450 milhões - Uma glaciação mata 55% das
espécies
250 milhões - A maior extinção da história.
Hipóteses para o fato: impacto de um meteoro, erupções vulcânicas, gás venenoso
saído do oceano. Morrem 90% das espécies marinhas
140 milhões - Reinado dos dinossauros. A temperatura é a
maior desde a grande extinção (50C a 100C mais alta que hoje)
65 milhões - A poeira erguida pelo choque
de um meteoro tapa o Sol, esfria o globo e mata os dinossauros.
3,6 milhões - O gelo cresce no Norte. O planeta esfria.
A África seca e somem as matas onde viviam os hominídeos. Dessa crise surge o
gênero Homo, adaptado para caminhar nos campos.
900 000 - O globo esfria e nasce um padrão:
glaciações de 100 000 anos com pausas de 8 000 a 40 000 anos.
22000 - Começa a glaciação mais recente da
história.
18000 - A glaciação atinge seu auge. O gelo
chega à Grã-Bretanha
10000 - Acaba a glaciação. As civilizações
humanas se desenvolvem.
7000 a 5000 - Ocorre o período mais quente
dos últimos 10000 anos. Florescem as civilizações humanas. Os oceanos eram 3 m
mais altos que hoje.
1000 - A Terra se aquece de novo
e permite cultura de uvas na Inglaterra.
600 a 150 - O Hemisfério Norte esfria. Em
1898, o Rio Tâmisa, na Inglaterra, congela pela última vez.
150 anos até hoje - A temperatura se
eleva e preocupa os cientistas
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