Uma das maiores planícies do mundo não é um pântano, mas um ecossistema único: pelo tamanho, pela diversidade de suas formas de vida e pelo lugar onde fica. Sua beleza é fruto disso tudo.
Começa
no mês de outubro a temporada das chuvas no Pantanal Mato-grossense.
Como acontece infalivelmente todos os anos, desde há pelo menos 30 milênios, um
mar de água deverá se elevar lentamente, invadindo toda a planície do centro da
América do Sul. As dimensões dessa inundação serão colossais. Aos poucos,
2/3 dos 150000km2 do território ficarão encharcados, encravado
entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a chegada das águas significa
renovação. Sem as enchentes, a região seria um deserto. Por causa delas, ali se
encontra uma das mais deslumbrantes paisagens das Américas—aproveitá-la
como cenário de telenovela é o menor tributo que o homem pode lhe prestar.
Até
os anos 50, aproximadamente, os cientistas chegaram a desconfiar que, no
passado remoto, um mar interior cobria a região, como um enorme lago de água
salgada. Quando foi avistado pela primeira vez por uma expedição branca, no
século XVI, a área estava inundada e recebeu o nome de Lago dos Xaraiés. Foi
uma homenagem à tribo desse nome, da família dos guaranis, com quem os
exploradores fizeram contato. O lago, depois se descobriu, não existia
realmente. Mesmo durante a época das cheias, muitos terrenos, que os moradores
do Pantanal chamam cordilheiras, escapam de ficar embaixo da água e,
por isso mesmo, ali se refugiam bois e animais selvagens. Ademais, todo ano,
durante os seis meses que dura a estiagem, quase toda a planície fica
descoberta. E, com a falta de chuvas, o gado chega a passar sede.
Se
não foi um mar nem um lago, o Pantanal tampouco é um pântano. Pelo
menos, é o que dizem os pesquisadores, que implicam com o nome com que a região
foi batizada, em época incerta, pelos habitantes do lugar. Aparentemente, eles
se referiam às primeiras áreas inundadas pelos rios como pantanais—e o
termo pegou. Jamais se descobriram ali os charcos estagnados ou os lodaçais
traiçoeiros típicos dos pântanos.
Ab’Saber prefere chamar o Pantanal de planície inundável - única pelo seu
tamanho porque está no interior do continente e pela diversidade de domínios
da natureza. A imagem de pântanos movediços não se aplica a nenhum pedaço
do Pantanal Mato-grossense. Trata-se, na verdade, de pequenos
afloramentos de água estagnada, resultantes do movimento do subsolo, e de
difícil escoamento. Em alguns lugares, as plantas ali acumuladas transformam-se
em turfeiras, depósitos de carvão vegetal que deixam o solo mole e pegajoso. As
planícies inundáveis são muito mais comuns. Estão presentes do Amazonas ao Rio
Grande do Sul e suas áreas mais facilmente alagadas são chamadas brejos,
várzeas, banhados ou vargens, conforme a região. Também são comuns pelo mundo
afora.
O
magnífico cenário do Pantanal, hoje se sabe, enfeita um fundo de concha
situado entre as terras altas bolivianas a oeste e as serras brasileiras a
leste. Há cerca de 60 milhões de anos, quando se elevaram tanto a Cordilheira
dos Andes como o Planalto Brasileiro, a região do Pantanal, ao contrário,
esvaziou- se. Uma malha impressionante de rios, formada pelo Paraguai e seus
afluentes, despencou nesse imenso anfiteatro, vinda do norte e do leste,
escavando os planaltos vizinhos e acumulando os sedimentos na planície. A
região foi sendo lentamente aterrada. O Rio Paraguai, muito raso para suportar
a imensa descarga que recebe de seus afluentes, ainda encontrou obstáculos ao
sul, ao atravessar a Serra do Bodoquena. Ao percorrer esse assoalho liso, cuja
declividade não passa de 33mm/km, não tem alternativa
senão transbordar.
Assim,
é fácil entender por que a enchente demora para baixar —
avançando cerca de 10 quilômetros por dia, leva seis meses para
atravessar o Pantanal.
Enquanto ainda está ganhando terreno no sul, já começa a diminuir de volume no
norte. Areia, vegetação decomposta, aguapés, tudo se movimenta com a cheia.
Quando ocorre a vazante e a água escorre para outras paragens, fica no lugar
uma sopa de detritos na qual nascem capim, ervas, arbustos e uma infinidade de
flores — um conjunto exuberante de vegetação que jamais
brotaria naquele solo pobre sem a contribuição das águas. Até porque no Pantanal não chove muito. Na
tórrida cidade de Corumbá, no sul da planície, por exemplo, chove menos do que
em São Paulo. Esse fenômeno lembra o que ocorre no Rio Nilo, na África, cujas
enchentes fertilizaram o deserto e fizeram a grandeza do Egito há 5.000 anos.
Não
é preciso ir muito longe para imaginar o que seria desta planície sem o
constante vaivém das águas. Do outro lado da fronteira, no território da
Bolívia, fica uma das áreas da planície do Chaco, formada na mesma época e da
mesma maneira que a planície mato-grossense. Apesar do nome, que lembra charco
e por isso pode dar margem a confusão, a terra ali não é úmida, mas árida. A
palavra chaco vem do idioma quíchua, ainda hoje falado pelos indígenas da
região, e significa terra de caça. Na sua parte central, o Chaco é um imenso
descampado, dominado por bosques baixos e vegetação de savanas. Ali não ocorrem
inundações. Os poucos córregos que percorrem a planície são parcamente
alimentados nas cabeceiras, localizadas nos altiplanos andinos, onde raramente
chove — ao contrário do que acontece nas úmidas serras
nas bordas do Pantanal,
onde estão as nascentes do Paraguai e seus afluentes.
Do
lado de cá da fronteira, o verde se transforma à medida que o Paraguai
atravessa os 700km de seu percurso pantaneiro. De leste para oeste da planície,
o grande rio e seus afluentes passam por matas, cerrados e campos que, em
alguns trechos, lembram a caatinga nordestina. Na parte sul e na borda
ocidental, a vegetação se parece com a dos bosques chaquenhos. Calcula-se que
durante o Período Quaternário, há 20 ou 30.000 anos, espécies de vegetação
tropical e subtropical dos cerrados, do Chaco e da periferia da Amazônia
disputavam o espaço enquanto os rios abriam caminho na planície.
Trata-se
de uma espécie de mosaico, onde se interpenetram diversos ecossistemas e suas
respectivas faunas. Durante a época das cheias, cardumes e mais cardumes sobem
os rios para a desova, no conhecido fenômeno da piracema. Os filhotes se
alimentam de micro organismos e da vegetação aquática, como os aguapés, que
cobrem as áreas inundadas, ou baías, conforme se diz na região. Quando vem a
vazante, muitos rios interrompem seu curso, formando uma sequencia de pequenos
lagos, onde jacarés, cobras, pequenos roedores e pássaros fazem a festa. Numa
lagoa de 2m2 se encontram sessenta espécies de peixes convivendo
lado a lado.
Alterar
esse sistema, a consequência inevitável da interferência humana em larga escala
na região, significa desequilibrar o ciclo de vida no Pantanal. Sabe-se,
por exemplo, que o acréscimo de aguapés, provocado pelo assoreamento dos rios,
e a matança indiscriminada dos jacarés, estão aumentando os cardumes de
piranhas nos rios. Não existem números comparativos a respeito, mas o fato é
certo. As aves — a
forma de vida que mais chama a atenção no Pantanal —
também estão ameaçadas. No caso, o vilão é o uso de agrotóxicos nas plantações
de soja a em volta da planície. Mas a fartura de asas e plumas é tamanha que, ao menos por
enquanto, ainda não há por que se preocupar.Infinidades de aves coloridas,
entre os quais espécies migradoras, habitam os viveiros pantaneiros.
fonte: uol/super/ambientebrasil/pantanal/
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