domingo, 1 de abril de 2012

CAATINGA


A beleza brasileira que persiste sol a sol.Nenhum outro lugar do mundo mostra de forma tão escancarada a explosão da vida como na caatinga.



Bioma que se apresenta em constante metamorfose, é o único exclusivamente brasileiro, a despeito dos preconceitos em torno dele. Erroneamente, diz-se da caatinga um pedaço grande de secura, miséria e bichos mortos pelo caminho. O sertanejo já foi retratado como homem amargurado e isolado. Sem dúvida há o problema da seca no Nordeste, há fome e há áreas em ameaça de desertificação. Mas não se pode negar a existência de fauna e a flora únicas na região semi-árida, que mostram suas cores não apenas na estação das chuvas.
A caatinga, na verdade, é rica em biodiversidade e quase toda inexplorada. Tem como aspecto mais marcante a força dos seres vivos que se adaptam misteriosamente a condições que até a ciência duvida. Espécies vegetais, animais e também os humanos: o sertanejo é mesmo um forte.
De clima semi-árido que um dia – até 12 mil anos atrás – já foi úmido, a região tem duas estações, a seca e a de chuvas. Na estação seca há uma economia em massa de energia por parte de todas as espécies. Onde havia folhas, há espinhos. Répteis e anfíbios somem quase que totalmente. Não se sabe se hibernam, se apenas se escondem, mas é certo que voltam. Os mamíferos maiores aglomeram-se em áreas mais úmidas, como as serras. Algumas aves e pequenos animais, como o tatu, ainda circulam pelas áreas secas. Dá para ver os seres vivos em resistência, mas o olhar tem de ser mais apurado para enxergar a beleza áspera. Não é qualquer aventureiro que chega no meio da estação seca e percebe os movimentos. Mesmo porque a lentidão impera, sons não são tão perceptíveis como numa mata tropical. Andar pela caatinga é mais fácil do que andar pela floresta – embora haja redutos de matas e árvores maiores no meio desse bioma – porque se vê melhor onde se pisa.
A fauna, comparada à da Amazônia ou mesmo à do Cerrado é mais reduzida, em quantidade e tamanho – a onça-pintada de lá é menor que a onça das florestas tropicais. A vegetação, caracterizada por cactos e bromélias é mais baixa, como os homens e os bichos. Ser menor em tamanho é ser do tamanho facilitado pela natureza para, no caso da fauna, se movimentar, andar por entre as mais de mil espécies espinhosas como o xique-xique, o facheiro, o quipá e a coroa-de-frade. Não é à toa que o pequeno mamífero que mais se vê no chão, entre os galhos finos e as plantas urticantes, é o tatu. Compacto, protegido por uma carcaça, sai em busca de comida dando curtos e rápidos passos. E se os vegetais também são compactos é por pura economia de energia. Cada gota de água armanezada não pode ser perdida – um organismo grande trabalharia muito mais nas reações químicas e biológicas para permanecer em tamanha secura. A vegetação da caatinga encolhe-se, troca folhas por espinhos e muda de posição para evitar um sol ardente tão em cima de seu organismo porque quer continuar viva.
A rigidez das espécies em estado de alerta acaba com a grande festa do sertão, que é a troca de estação, época do carnaval de cores que explode em menos de um mês de pluviosidade. Antes das chuvas começarem, os olhos dos bichos e dos homens já reparam em nuvens densas e escuras se aglutinando no céu. É um nublado, sim, mas em terra de céu azul constante o bonito é o cinza, o prenúncio da esperada queda d’água. Quem conhece bem o pedaço fica de olho no mandacaru, vegetação-símbolo, personagem até de letra de forró por ser um dos mais famosos sinalizadores da chuva. O cacto, que só existe lá, prenuncia a chegada da água céu abaixo quando mostra seus frutos vermelhos, cheios de gosmas por dentro, que alimenta aves e dá esperança a quem vive no solo rachado. (“Mandacaru quando flora na seca, é o sinal que a chuva chega no sertão”, Luiz Gonzaga em “Xote das Meninas”).
Já por volta do 15º dia de chuva a paisagem se transforma. Passar pelo mesmo lugar duas vezes pode trazer a surpresa de um verde inusitado nas gramíneas, nos arbustos e árvores. Os animais que estavam muquiados nos troncos, se movimentando pouco e fugindo do sol dão as caras. Revoadas de borboleta cruzam os caminhos. É bicho que sai de todos os lados para se encontrar, reproduzir, tirar alimento novo dos ecossistemas.
O local de maior destaque nacional da caatinga é a serra da Capivara, no sudeste do estado do Piauí. Considerado pela Unesco patrimônio cultural da humanidade desde 1991, o parque nacional esconde relíquias naturais de cerca de 20 mil anos. Além da paisagem que ainda conserva exemplares vegetais da época em que a região era úmida – isso há mais de 10 mil anos –, encontra-se lá uma quantidade incrível de pinturas rupestres nas pedras que representam as relações dos homens e sua convivência com o meio ambiente.
O Museu do Homem Americano, no município piauiense de São Raimundo Nonato, abriga, além das pinturas, uma mandíbula de tigre- dentes-de-sabre, um pedaço de crânio fossilizado e um machado de pedra polida. Mais selvagem, difícil de explorar e quatro vezes maior em tamanho, a serra das Confusões só foi 20% explorada.
Andar pelo meio da vegetação, descer por entre os cânions e embrenhar-se em cavernas não é tarefa simples nem para os próprios sertanejos nessa região de pouco acesso. O nome – Confusões – mostra que muitos colonizadores já se perderam por ali, principalmente pela luz forte refletida das grandes pedras. Até com potentes óculos escuros é difícil se acostumar com tanta claridade. Muito ainda está escondido nesse ecossistema, como em todo o bioma da caatinga.
  • Área total - 735 000 km²
  • Área intacta - 70%
  • Área protegida - 4,8%
Conservação e ameaça
Pobreza, desigualdade de divisão de terras, queimadas e expansão mal planejada da agricultura configuram as maiores ameaças a esse bioma. As entidades internacionais geralmente têm atenção voltada quase toda para a Amazônia, deixando de lado outros biomas brasileiros, como o da caatinga – apesar de a região ter sido reconhecida como reserva da Biosfera, pela Unesco. A primeira tentativa recente de mudar o preconceito em relação à região ocorreu no fim do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi realizado pelo Ministério do Meio Ambiente e um consórcio de entidades (bancos, ONGs e comunidade científica) um workshop de áreas prioritárias para conservação da caatinga, em 2000, em Petrolina (PE). A idéia era mostrar que a caatinga não é um “resto” de outros biomas, mas sim um bioma diferenciado que tem muito que oferecer em biodiversidade. O governo Lula, por meio do Ministério do Ambiente e Secretaria de Biodiversidade e Floresta, criou no começo de 2004 o Núcleo do Bioma Caatinga. Esse núcleo pretende potencializar o que já tem sido feito na região – trabalhos de ONGs e ações do governo, como o manejo da lenha e carvão – e articular novos trabalhos. Áreas que já estão em fase de implementação dos projetos: sertão que une Alagoas, Sergipe e Bahia, sudoeste baiano, norte de Minas Gerais, Petrolina/Chapada do Araripe, em Pernambuco, Seridó, no Rio Grande do Norte e Paraíba, Serra de Ibiapaba, no Piauí e Ceará, Cariri Paraibano e serras da Capivara e das Confusões, no Piauí. Está em pauta também a revitalização do rio São Francisco, que está quase todo localizado na caatinga. Ao que tudo indica, uma esperança para a vida do sertão.

A VIDA DA CAATINGA
No interior do Nordeste, uma das mais incríveis vegetações do mundo sobrevive ao calor, à falta de água e a terrenos pedregosos

 Oásis Montanhoso
A serra dos gringos, no Piauí, é um dos ambientes mais exóticos do país. Lá estão diversas espécies que não conseguiriam aguentar o calor da região, mas que sobrevivem ali porque as cavidades da montanha conservam a umidade. Está prestes a ser considerada pela Unesco como um Patrimônio Natural da Humanidade

Vida na seca
O calor na caatinga é tão forte que obriga plantas e animais a adotar estratégias únicas para conservar água. Algumas usam espinhos, outras perdem folhas e secam. O resultado, em grande parte do ano, são paisagens com este tom ferrugem



Santa chuva
A caatinga não é só seca. Entre outubro e março, a região começa a receber tempestades que mudam a paisagem e a tornam mais colorida. Existem, no entanto, anos problemáticos em que a água simplesmente não vem

Deserto colorido
As plantas aproveitam as épocas de chuva para germinar e se preparar para os períodos de seca. Os rios – muitos deles temporários – recebem mais água e, mesmo com o forte calor, o verde toma conta dos espaços

Inferno florido
Apenas cactos e arbustos sobrevivem nos terrenos mais áridos da caatinga. O intrigante é que, mesmo nas piores condições, é possível encontrar flores como a deste quipá. "Ainda não sabemos como a vida aqui funciona", diz Marcelo Tabarelli, botânico da Universidade Federal de Pernambuco que estuda a região

Lá vem água
Quando a seca começa a dar um tempo, o primeiro a anunciar a mudança de estação é o mandacaru, uma árvore que chega a ter 9 metros de altura. Pouco antes das chuvas, ele começa a dar um fruto muito apreciado pelas aves: o babão – uma referência à polpa viscosa. Pouco depois, as tempestades ajudarão a gerar uma nova planta

Vida noturna
Uma forma de driblar o calor é trabalhar durante a noite. Ao longo do dia, estes facheiros possuem apenas espinhos. Mas basta o Sol se pôr que suas flores se abrem e, menos de 24 horas depois, elas já desaparecem. Dessa forma, a planta consegue germinar sem encarar os horários em que o calor é mais forte


Só do Brasil
A caatinga não é somente um deserto – é um ecossistema único, que existe apenas no interior do Nordeste do Brasil. Por esse motivo, possui animais e vegetais que só sobrevivem ali e que podem ser extintos a qualquer mudança no ambiente. Daí não ser muita surpresa que ela esteja na lista dos lugares mais ameaçados do planeta
Situação espinhosa
A coroa-de-frade, natural da Bahia, tem a forma de uma bola com 15 centímetros de diâmetro e uma proteção invejável. À sua volta cresce durante toda a vida um enorme emaranhado de espinhos, no meio do qual ela esconde flores e frutos. Mesmo com tantas defesas, a planta está ameaçada de extinção

Planta esperta
O pente-de-macaco é um exemplo de como a vida pode se adaptar bem à aridez da caatinga. Ele aproveita o calor do sol para esquentar uma vagem a ponto estourá-la, o que espalha por uma grande área as sementes que estão dentro dela. Quando chegam as tempestades, a chance de ela conseguir se reproduzir será muito maior

Paisagem rara
Os cientistas já catalogaram 932 espécies vegetais na caatinga, mas ainda há muito a ser estudado. O pouco que se sabe já surpreende: cerca de 380 dessas plantas não existem no resto do mundo


Um comentário:

  1. Meu Nordeste Querido que os próprios Políticos da região não dão valor. Um dia isso tudo vai acabar. Esta "Fábrica de Misérias" dos políticos brasileiros vai acabar. Um dia, vai aparecer alguem que se importe com voce meu Nordeste.

    Rivaldo de Azevedo

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