quarta-feira, 12 de junho de 2019

REGRESSO A MATA ATLÂNTICA

Imagine-se passar pelo portal do tempo e pisar na costa brasileira. Descer de uma nau portuguesa atracada na costa Atlântica, lá pelos idos de 1500. À sua frente está uma floresta diferente de tudo o que você já viu. A medida que adentra pela mata, seu frenesi aumenta, a cada passo uma surpresa. Tudo diferente do que já presenciou.



Árvores de todos os tamanhos, misturadas com orquídeas, bromélias, cipós, samambaias, arbustos e ervas. O chão, sempre úmido, raízes e mudas disputam espaço pelos raios de sol. Enxames de insetos, escarcéu de pássaros, balburdia de anfíbios, cheiros fortes, répteis, artrópodes, aves e mamíferos que aparecem a cada passo dentro da selva, assustadoramente escura – pois apenas uns poucos raios de luz conseguem furar a cobertura cerrada de folhas, galhos e flores. 

A ILHA DE VERA CRUZ SERIA O JARDIM DO ÉDEN? 

“Todo o Brasil é um jardim em frescura e bosque, e não se vê em todo o ano árvores   nem erva seca. Os arvoredos, de admirável altura, se vão às nuvens. Muitos dão bons frutos e o que lhes dá graça é que há neles muitos passarinhos de grande formosura e variedade. Os bosques são tão frescos que os lindos e artificiais de Portugal ficam muito abaixo".(José de Anchieta, Informação da Província para Nosso Padre, de 1585) 

A Mata Atlântica foi a primeira paisagem que os colonizadores avistaram. Era exuberante e majestosa. Um misto de assombro e fascínio. O encantamento dos forasteiros durou pouco. Logo eles começariam a destruir aquela floresta aparentemente inesgotável, dando início a uma tragédia ambiental que se agravou ao longo dos séculos e prossegue até hoje. 
Originalmente, a floresta cobria uma área superior a 1,3 milhão km² distribuída ao longo de 17 estados brasileiros que iam desde o Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Ela varia de norte a sul conforme a temperatura e altitude, mas obedece a um mesmo regime de chuvas, influenciado pela proximidade com o mar. Uma combinação singular entre esses fatores naturais fez da Mata Atlântica uma das florestas mais ricas em biodiversidade no mundo inteiro. Apesar dessa exuberância, o solo da floresta é incrivelmente pobre. Essa fecundidade é superficial. Sua razão não está na terra, e sim na reciclagem dos minerais do solo, que se recompõem à medida que os restos das plantas e animais mortos apodrecem. Na maioria das regiões, a terra se esgota em menos de três anos, se usada para a agricultura. 
Desde o descobrimento do Brasil, até os dias de hoje, a área de mata foi reduzida a aproximadamente 7% de seu tamanho original. Inicialmente em função dos ciclos econômicos da história do nosso país - o do Pau-Brasil, do ouro, da cana-de-açúcar e posteriormente do ciclo do café – e mais recentemente, em função da ocupação demográfica nas áreas urbanas. O resultado atual é a perda quase total das florestas originais intactas e a contínua devastação e fragmentação dos remanescentes florestais existentes, o que coloca a Mata Atlântica em péssima posição de destaque, como um dos conjuntos de ecossistemas mais ameaçados de extinção do mundo. 

DIVERSAS PAISAGENS NUMA SÓ FLORESTA 


A floresta mais variada do país tem desde campos ralos até matas regadas por caudaloso rios, e chuvas constantes. A parafernália vegetal deu um nó na cabeça dos primeiros portugueses que viram a exuberância da nossa Mata.  Ao longo de todo sua extensão, a Mata Atlântica apresenta uma variedade de formações, engloba um diversificado conjunto de ecossistemas florestais com estruturas e composições florísticas bastante diferenciadas, acompanhando as características climáticas da vasta região onde ocorre, tendo como elemento comum a exposição aos ventos úmidos que sopram do oceano. Próximos aos oceanos estão as planícies de restinga, dunas, mangues, lagunas e outros estuários de menor proporção. Os mangues estão presentes às margens das lagunas ou de rios de água salobra, variando conforme as marés. Eles são considerados os berçários de grande parte da vida marinha. No alto das montanhas avista-se rochas nuas, gramíneas e arbustos. No meio da mata, a incógnita vegetação, simbiose de tantas tonalidades, cores, espessuras e tamanhos. Cada folha, cada galho parece um mundo impar. São tantos e diversos animais numa algazarra festiva, saboreando frutos de todas as cores.

“A terra é algum tanto melancólica, regada de muitas águas, assim de rios caudais, como do céu, e chove muito nela, principalmente no inverno; é cheia de grandes arvoredos que todo o ano são verdes; é terra montuosa, principalmente nas fraldas do mar, e de Pernambuco até a Capitania do Espírito Santo se acha pouca pedra, mas dali até São Vicente são serras altíssimas, muito fragosas, de grandes penedias e rochedos. (Fernão Cardim -1540/1624, Tratados da Terra e Gente do Brasil) 

A Beleza da Mata dos Pinhais 
As araucárias, que aparecem misturadas com árvores de folhagem mais densa, são a marca da floresta mista. Ela surge em grandes altitudes das regiões Sul e Sudeste, onde a temperatura é mais baixa. 

No Alto da Serra
Formados apenas por gramíneas e alguns arbustos esparsos, os campos de altitude aparecem a partir de 1500 metros acima do nível do mar, bem no topo das serras. Chove menos e o solo é mais pedregoso, o que explica a pobreza da vegetação. 

Perdendo as Folhas 
Do lado da serra oposto à praia está a mata de interior. Ela não tem a exuberância das florestas da costa, que se mantêm sempre úmidas. Suas árvores perdem as folhas no inverno (caducifólio). Falta água nessa época e a floresta reage derrubando parte das folhas para reduzir as perdas por transpiração. 

Na alma da floresta 
Nada se compara à imponência da floresta tropical úmida, com árvores que alcançam até 35 metros. A rica diversidade se explica pelo relevo. As serras que se estendem do Espírito Santo até Santa Catarina impedem a passagem dos ventos úmidos vindos do oceano. Os ventos esfriam as nuvens, provocando chuva ou nevoeiros. Chove o ano inteiro, o que impede a existência de uma estação seca. 

O Berçário
Com suas árvores e seus arbustos de raízes expostas, os mangues são o paraíso dos peixes, jacarés, caranguejos e camarões. Lamacentos, eles alagam nas marés cheias. Esse ecossistema, presente nas enseadas e nos estuários dos rios, aparece em todo o litoral brasileiro. 

Entrando no mato
Começando pelas restingas, com sua vegetação herbácea e arbustiva no costa da planície litorânea, vai aparecendo a mata de baixada. Densa, apresenta árvores de até 15 metros, com copas sobrepostas, arbustos e cipós. Sobre os troncos crescem orquídeas, bromélias e samambaias. Nas áreas mais úmidas, não é difícil achar palmiteiros. 

Exuberante e Emblemática Fauna
A fauna da mata atlântica é muito diversa com espécies de aves, mamíferos, répteis, anfíbios, insetos. Vários animais endêmicos.


HOLOCAUSTO   

“Há no Brasil grandíssimas matas de árvores agrestes, de madeiras fortíssimas para se poderem fazer delas fortíssimos galeões. Não menos são as madeiras do Brasil formosas que fortes, porque as há de todas as cores, brancas, negras, vermelhas, amarelas, roxas, rosadas e jaspeadas, porém, tirado o pau vermelho a que chamam brasil, e o amarelo chamado tataiúba, e o rosado araribá, os mais não dão tinta de suas cores. (Frei Vicente do Salvador (1564-1636) 

A Mata Atlântica começou a desaparecer assim que os colonizadores puseram os pés no novo continente. Os primeiros moradores – os índios – quase não modificaram a floresta. A paisagem foi moldada pelos longos períodos glaciais do último milhão de anos, como em todas as regiões tropicais do planeta. Cada árvore parece um mundo. Uma mini-floresta, com sua própria fauna, aloja-se na casca das árvores. As epífitas – plantas que crescem sobre outras em busca de luz, obtendo água e nutrientes por conta própria, sem prejudicar as hospedeiras . Nela se instala um diminuto ecossistema no qual convivem insetos, sapos, pererecas e lagartos, além de outras pequenas epífitas. 
As árvores de pau-brasil, com cerca de 20 metros de altura, distribuíam-se em grande quantidade por todo o litoral. A exploração foi tanta que, um século após a chegada de Cabral, cerca de 2 milhões de árvores haviam sido derrubadas. Os índios, que antes levavam três horas para tombar uma árvore com o machadinho de pedra, gastavam só 15 minutos com os machados de ferro dos europeus. Hoje a árvore típica da Mata Atlântica está restrita a alguns dos trechos remanescentes da floresta. 
A fauna da Mata Atlântica impressionou tanto os portugueses que, nos três primeiros anos após o "descobrimento", o Brasil era chamado de Terra dos Papagaios. Muitos outros animais despertaram a cobiça dos europeus, pelo exotismo ou pelo dinheiro que poderiam render. Além do pau-brasil, as naus retornavam à Europa abarrotadas de macacos e pássaros vivos, peles de felinos e jacarés. 
A medida que os usurpadores se enfiavam na mata, seu pasmo se renovava. Veja como a preguiça é descrita pelo príncipe holandês Maurício de Nassau, que governou Pernambuco de 1630 a 1644: “Mais vagarosa que um caracol, tem o corpo grande e cinzento; seu rosto parece o de uma mulher; tem os braços compridos, munidos de unhas também compridas e curvas, com que o dotou a natureza para poder trepar em certas árvores, no que gasta boa parte do dia”. Impossível era ficar indiferente à graça do beija-flor. “Seu bico, maior do que o corpo, é delgado como um alfinete”, escreveu o cronista Gabriel Soares de Sousa em 1587, “e ele anda sempre bailando no ar”. O padre José de Anchieta, de tão maravilhado, achou que o passarinho se alimentava “só de orvalho”. O bicho-pau foi visto por ele como “uma estranha criatura, parecida com um graveto quebrado. Quando se quer agarrá-lo, dá um salto para longe”. E havia moradores da terra que provocaram pavor. “O que direi das aranhas, cuja multidão não tem conta?”, assustou-se Anchieta. “Julgarias que são caranguejos, tal é o tamanho do seu corpo. São horríveis de ver-se, de maneira que só a sua vista parece trazer diante de si veneno.” 


Este bioma rico em biodiversidade esta desaparecendo devida a ganância do ser humano. O impacto ambiental pelas pressões e ameaças sobre a Mata Atlântica, são causados:
  • Pelos mais de 145 milhões de brasileiros que habitam sua área;
  • Desmatamentos sucessivos causados pela extração de pau-brasil, e ciclos econômicos como o da cana-de-açúcar, café e ouro; Agricultura e agropecuária; 
  • Exploração predatória de madeira e espécies vegetais;
  • Mineração
  • Industrialização;
  • Expansão urbana desordenada;
  • Tráfico de animais e vegetais;
  • Turismo predatório;
  • Consumo excessivo, lixo, poluição.
Nossa Mata Atlântica já não é a mesma, suas cores já desbotadas, suas águas sujas, poluídas lamentam outrora vida. Suas montanhas rasgadas, destruídas, dilapidadas e niveladas. As vezes, à noite de lua cheia, costuma-se escutar  o canto melancólico do Urutau, chorando e rogando ao Deus Tupã.


Referências
https://super.abril.com.br/
http://www.petropolis.rj.gov.br
http://www.ib.usp.br/
https://www.sosma.org.br/
http://www.rbma.org.br/
http://www.mma.gov.br/
https://www.ibama.gov.br




10 comentários:

  1. Magnifico texto, de um sensibilidade impar. Parabéns professor, precisamos de mais profissionais como você. Há hoje aprendi mais uma coisa. "URATAU" nunca tinha ouvido falar.

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  2. Passei minha infância numa fazenda no interior de Minas. Quando aparecia um Urutau com seu canto triste e melancólico, pousado na cerca do curral, minha querida e amada vó dizia que a ave chorava, avisando o curupira que uma árvore foi derrubada.

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  3. Memorável texto, cresci correndo pela mata, nadando nas cachoeiras e riachos. Aprendi respeitar amar e respeitar a natureza.

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  4. Prof vc é um MESTRE JEDI

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  5. Texto envolvente, introdução notável, aguça a leitura, fechamento poético e objetivo.

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  6. interessante. jamais pensei a mata atlântica assim

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  7. belo texto, bem ilustrado.nunca imaginei a mata atlantica desta forma

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  8. Moro no meio da mata atlântica no alto da serra, meu paraíso. Aqui tudo é respeitado desde a formigas e lagartas alimentando de minhas plantas, até minha nascente muito bem protegida. Se todo cuidarem vamos conseguir proteger este paraíso.

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  9. não troco minha cabana no alto da serra da mantiqueira por nada.. aqui é o paraíso, tenho tudo, água, plantação criação e saúde e paz

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  10. Nosso Brasil é lindo mas ninguém protege só quer explorar

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