domingo, 24 de setembro de 2017

TERRA DE NINGUÉM

A maior caixa de areia do norte da África – cuja população total é  zero. Nem Sudão nem Egito fazem questão de reivindicar o território de Bir Tawil para si próprios, o que torna essa anomalia geopolítica uma autêntica terra de ninguém.



Jeremiah Heaton, fazendeiro do pacato município de Abingdon, em Virgínia, nos EUA, em 2014, prometeu à filha que ela seria uma princesa ao pé da letra – do tipo que herda um reino de seus pais. Para cumprir a promessa, conseguiu uma autorização do exército egípcio, cruzou o Saara em uma caravana de 14 horas e fincou uma bandeira no território de Bir Tawil, um pedaço de deserto de 2,060 km² em forma de trapézio na fronteira do Egito com o Sudão. Em princípio, não há nada que impeça Heaton de se declarar rei da maior caixa de areia do norte da África.
A história curiosa começou em 1899, quando o Reino Unido ainda era a maior potência imperialista do mundo, e mandava em boa parte da África. Naquele ano, ficou decidido que a fronteira entre Egito – sob ocupação militar britânica – e Sudão – dominado pelo Egito e, por consequência, também pelos britânicos – seria uma linha reta equivalente, no mapa, ao paralelo 22 N.

Essa é a fronteira que o Egito considera correta até hoje.

A prática de fatiar territórios da África de acordo com os interesses europeus foi comum no século 19, e péssima para a vida de seus habitantes originais. Grupos étnicos orgânicos foram separados por linhas retas, e submetidos às línguas e à religião de seus colonizadores. Foi o que aconteceu ali: a tribo nômade Ababda, de raízes culturais egípcias, perdeu um pedaço de terra para o Sudão. E o povo Beja, mais próximo do Sudão, perdeu um longo triângulo de litoral para o Egito. Em uma tentativa de restaurar essas antigas divisões, em 1902 o Reino Unido decidiu fazer uma pequena alteração na fronteira. Adequá-la à realidade local não tinha nada a ver com bondade católica ou direitos humanos – a verdade é que era mais fácil governar a região sem distúrbios quando cada povo estava do lado certo do mapa. Essa nova fronteira aumentou o acesso do Sudão ao mar, e por causa disso é adotada pelo país até hoje.

O tempo passou, e após duas guerras mundiais e incontáveis convulsões políticas e guerras civis, os povos nativos já não ocupam a região da mesma maneira. Para completar a confusão, em 1956 o Sudão declarou independência – e automaticamente entrou na briga por espaço, que se intensificou na década de 1990, com a suspeita de que havia jazidas de petróleo às margens do Mar Vermelho.
Resultado? Ambos os países querem o grande (e valioso) triângulo à direita do mapa – onde os dois territórios se sobrepõem. Mas nenhum dos dois se interessa pelo pequeno trapézio no centro. Para o Egito, ele é do Sudão… E para o Sudão, é do Egito.

Quanto a Heaton, bem… Não deu em nada. A comunidade internacional não leva a sério excêntricos como ele – mesmo que sua pequena princesa tenha declarado que lutaria para melhorar a qualidade de vida das crianças africanas. O “Reino do Sudão do Norte”, portanto, continuará por muito tempo sendo só um monte de areia. E, é claro, mexendo com a imaginação de aventureiros de pretensões imperialistas.

Referência bibliográfica
http://super.abril.com.br/historia/

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