quinta-feira, 28 de setembro de 2017

OS HOMENS SÃO ANIMAIS MUITO ESTRANHOS

Se você gosta de História, é possível que tenha ouvido falar sobre casos de animais que teriam sido condenados durante a Idade Média por cometer crimes — como devorar plantações e atacar humanos desavisados, por exemplo.  Os bichos são nossos amigos, nossos servos, nossa comida. Mas, na Antiguidade e na Idade Média, foram também santos, bruxos, políticos - e até bandidos.



INCITATUS: O CAVALO QUE QUASE FOI SENADOR
O Imperador Calígula, que reinou em Roma entre os anos 37 e 41, tem fama de cruel e insano. Mas não se pode dizer que tenha sido maldoso com os animais. Não com os seus, pelo menos. Calígula tinha uma grande tropa de cavalos, dos quais gostava muito. O principal era Incitatus (nome que significa “O motivado”), que tinha 20 funcionários cuidadores ao seu dispor. Calígula mandou construir uma pequena torre de mármore e marfim para servir de estábulo ao animal, e fazia de tudo para não estressar Incitatus. Até mandar a guarda imperial aquietar a vizinhança nos horários em que o cavalo estava dormindo. Calígula adorava Incitatus, e frequentemente almoçava ou jantava na companhia dele. O cavalo comia a mais fina cevada e alguns grãos selecionados, mas também há indícios de que o imperador o tenha alimentado com vinho e diversas carnes. Além de ser bem-tratado, o bicho tinha um futuro brilhante pela frente: Calígula queria nomeá-lo senador de Roma. É bem possível que a conspiração que resultou no assassinato do imperador, no ano 41, tenha sido estimulada por essa desonra (os políticos teriam se enfurecido ao se ver equiparados a um cavalo). Alguns historiadores afirmam que Incitatus foi morto na mesma ocasião.

O PAPA GREGÓRIO 9º E O MASSACRE DE GATOS
Gregório 9º era um homem conhecido pela bondade. Mas logo ao ser eleito papa, em 1227, mostrou seu outro lado. Ele foi diretamente responsável por uma cruel caçada de hereges na Alemanha e pela criação de uma “central de treinamento” de inquisidores em Roma. E também odiava animais, em especial os gatos. Embora jamais tenha assumido isso com todas as letras, o papa redigiu um documento oficial, em algum momento da década de 1230, dizendo que os felinos, em particular os gatos pretos, eram encarnações do diabo e tinham a ver com rituais de bruxaria. Imediatamente após a divulgação do documento, os europeus mergulharam em um frenesi de violência contra os pobres bichos. As declarações do papa, aliadas ao fato de que algumas regiões periféricas da Alemanha e da Inglaterra ainda cultuavam gatos como divindades pagãs, estimularam um dos maiores massacres de animais da história. Ao longo de décadas, gatos de todas as partes do continente, independente de cor ou procedência, foram brutalmente mortos em fogueiras, espancamentos e enforcamentos públicos. Gregório jamais se pronunciou contra esses atos de violência – possivelmente porque estava satisfeito com eles. E até hoje, quase 800 anos depois, o preconceito contra gatos pretos ainda existe.

A grande vingança felina
A Peste Negra, uma epidemia de peste bubônica causada pela bactéria Yersinia pestis, assolou a Europa ao longo do século 14. Ela começou na Sicília em 1347 e se alastrou principalmente para Itália, França, Portugal, Espanha, Inglaterra e Alemanha nos quatro anos seguintes. Estima-se que a Peste tenha matado mais de 100 milhões de pessoas. Uma tragédia quase inimaginável. A bactéria Y. pestis é comum em roedores, e se espalhou devido à grande quantidade de ratos nas cidades europeias. E os ratos proliferaram porque seus predadores naturais, os gatos, existiam em menor número – já que o papa Gregório 9º, no século anterior, havia induzido a população a acabar com eles (como conta o texto acima). Aqui se faz, aqui se paga.

Gafanhotos no banco dos réus
Depois da Peste Negra, alguns europeus passaram a acreditar que a violência do mundo animal não era só um reflexo da fúria punitiva de Deus contra o homem. Talvez os bichos fossem responsáveis por suas ações contra o ser humano (como espalhar doenças). E isso deu origem a um costume insólito: julgar e condenar animais por crimes. Ratos e porcos eram acusados de violência contra crianças e de carregar espíritos demoníacos, e condenados à morte. Cães violentos eram proibidos de entrar em certas vizinhanças, cavalos e jumentos preguiçosos pegavam prisão perpétua. Mas o alvo principal eram gafanhotos e besouros, acusados de destruir plantações nos séculos 15 e 16. Dois ou três representantes desses insetos eram levados à presença dos juízes, em um processo que costumava se concluir com a pena de morte. Seus cúmplices não presentes, porém, não eram esquecidos: os destruidores de plantações eram condenados ao exílio ou à excomunhão.

GUINEFORT: DA INJUSTIÇA À “CÃONONIZAÇÃO”
Entre o final do século 12 e o começo do século 13, existiu um pequeno castelo na diocese de Lyon (400 km ao sul de Paris). Era uma propriedade modesta, que não tinha vigias – só alguns cães de guarda. Certo dia, o dono do castelo e a esposa precisaram ir até uma cidade vizinha. Deixaram o filho pequeno sozinho por algumas horas. E, bem nessa ausência, algo terrível aconteceu: uma cobra entrou no quarto da criança. Um dos cachorros, um galgo chamado Guinefort, notou o perigo e atacou a serpente com várias mordidas. Matou a cobra, mas a criança e o quarto ficaram todos sujos de sangue. Algumas horas depois, quando o casal voltou de viagem e se deparou com aquela cena, a mãe entrou em pânico. Ela achou que o sangue era do filho, e que a criança havia sido atacada por Guinefort. Enfurecido, o marido pegou sua espada e, com um movimento rápido, cortou a cabeça do cachorro. Mas o casal logo viu que a criança estava bem, dormindo em paz. E encontrou a cabeça da serpente jogada num canto do quarto. Eles haviam cometido uma atroz injustiça ao matar o pobre cachorro. O casal se sentiu em débito com Deus pela intercessão milagrosa de Guinefort, e pelo modo como ela foi ignorada. Envergonhado, o senhor do castelo providenciou ao cachorro um enterro com todas as honras possíveis. A história foi sendo repetida, e aumentada, pela população local. Guinefort caiu na boca do povo, passou a ser adorado como um mártir cristão – e recebeu dos camponeses locais o título de santo. Mulheres de diversas regiões da França passaram a visitar o túmulo do animal, na esperança de alcançarem suas bênçãos e curarem seus filhos doentes. A Igreja não reconheceu a santidade do cachorro. Antes do século 13, quando os atos heroicos de Guinefort o transformaram em santo popular, os europeus já acreditavam que os cachorros tinham poderes místicos. Baseados nisso, muitos senhores e cavaleiros medievais empregaram cachorros entre seus trabalhadores, na esperança de que doenças e ferimentos humanos fossem curados com lambidas, e para que os soldados fossem seguramente escoltados pelos animais ao retornarem de batalhas muito violentas.

É CRIME
Um livro em especial, de E.P. Evans, chamado “The Criminal Prosecution and Capital Punishment of Animals” — “O Processo Criminal e a Punição Capital de Animais”, em tradução livre —, foi publicado em 1906 e traz a descrição de aproximadamente 200 casos de bichos que foram processados por seus supostos crimes.
Segundo a publicação, de modo geral, as criaturas maiores, como vacas, cavalos e porcos, quase sempre eram processadas por assassinato — e condenadas ao exílio ou à morte. Em contrapartida, os casos envolvendo bichos menores, como gafanhotos, besouros e ratos, muitas vezes eram encaminhados às autoridades eclesiásticas, que procediam com a excomunhão dessas criaturas por crimes como pragas, infestações e destruição de lavouras.
Infelizmente, por mais ridículo que pareça um bicho ser julgado por seus atos como se fosse um ser racional, os casos envolvendo as condenações de animais não pararam na Idade Média. Em 1916, um elefante que matou seu adestrador foi tragicamente condenado à forca, e, em 2008, um urso foi acusado de roubo após consumir o mel de um produtor de abelhas — e a reserva florestal onde o bichinho morava foi obrigada a pagar pelo prejuízo. Em 2016 a Índia aprisiona leões para descobrir 'culpado' pela morte de 3 pessoas. Constantemente cachorros são condenados à morte por ataque a humanos.

Referências Bibliográficas
http://super.abril.com.br/historia/
https://www.megacurioso.com.br/historia-e-geografia
http://g1.globo.com/natureza/noticia/

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