Os mosquitos medem poucos milímetros, são feios de doer e implacáveis na busca por sangue humano. Já dizimaram populações inteiras. Vale tudo na luta dos para se reproduzir. Serve apenas a si próprio.
Para esses predadores, somos prato principal.
Uma lenda diz que, certa vez, na Índia, Buda resolveu meditar em um
lugar infestado de mosquitos. Em meio ao zumbido infernal e às picadas,
nem os seus discípulos acreditaram que ele seria capaz de manter a
serenidade e o respeito que tinha por todos os seres vivos. Dessa vez,
pensaram eles, até o iluminado perderia a paciência e acabaria matando
ao menos um desses insetos. Para espanto de todos, Buda resistiu.
Meditou e saiu de lá impávido, sem dar um peteleco sequer em mosquito
algum. Em compensação, ele nunca mais voltou àquele lugar. Não é à-toa que nem o paradigma da paciência oriental tenha sido
capaz de suportar os mosquitos. Desde que os primeiros humanos
caminharam sobre a Terra, os homens travam uma batalha de vida ou morte
contra esses pequenos insetos, que tornaram regiões inabitáveis,
exterminaram povos e chegaram a mudar o rumo de guerras. Os altos casos
recentes de dengue no Brasil, lembraram aos brasileiros o que já era
óbvio para os parentes de um milhão de pessoas que morrem de malária
todos os anos: com sua sede de sangue e com os parasitas que carregam,
os mosquitos são os mais antigos e poderosos inimigos da espécie humana.
Qualquer descuido no controle desses insetos – também conhecidos como
pernilongos ou muriçocas – é punido com mortes e doenças.
O mosquito serve apenas a si próprio.
- Ele não ajuda a aerar o solo como as formigas,
- Não ajuda a polinizar as plantas como as abelhas,
- Nem serve de alimento essencial para outros animais
- Eles não têm nenhum outro propósito além de perpetuar a própria espécie
Vale tudo na luta dos mosquitos para se reproduzir. Na espécie
neozelandesa Opifex fuscus, por exemplo, o macho estupra as fêmeas assim
que elas nascem. Ele sobrevoa águas paradas em busca de pupas – uma
espécie de casulo onde eles ficam antes de se tornarem adultos – e as
ataca, provocando o nascimento do inseto. Se o recém-nascido for fêmea,
ele força a cópula enquanto ela, com as pernas ainda presas na pupa, não
tem como se defender.
No Culex pipiens, a mais abundante das 2 400 espécies do inseto, a
reprodução é mais pacífica. (Você provavelmente já esmagou muitos Culex
contra a parede – eles são os famosos “mosquitos caseiros” que costumam
zumbir no seu ouvido durante as noites de verão.) Para achar uma
parceira, os machos dessa espécie formam nuvens próximo de um ponto de
referência, como uma antena, uma chaminé ou mesmo na sua cabeça. A fêmea
é atraída para o centro da nuvem e vários machos voam até ela, mas
apenas um a agarra com firmeza suficiente para levá-la até o chão e
copular. Uma vez que isso acontece, ela consegue guardar esperma
suficiente no corpo para pôr ovos durante toda a sua vida. Falta apenas
conseguir o alimento necessário para produzir os ovos: o sangue de animais como você e eu. A
reprodução é o único motivo pelo qual os mosquitos picam e, portanto,
apenas as fêmeas procuram o sangue humano.
As da espécie Culex, por exemplo, atacam durante a noite e, muito
provavelmente, são elas que fazem aquele zumbido agudo que perturba o
seu sono. O barulho vem das asas batendo entre 250 a 500 vezes por
segundo.
O ataque
Ainda que os
cientistas não tenham descoberto todas as substâncias químicas que eles
utilizam para seguir o rastro da presa, sabe-se que o gás carbônico,
produzido por nossa respiração, e o ácido láctico, que liberamos em
grande quantidade ao nos exercitar, estão entre elas. Eles também
descobriram que esses insetos são fascinados por pés humanos com cheiro
de queijo. Ou seja: se você não tinha motivo melhor para manter os pés
limpos, que a ameaça dos mosquitos sirva de estímulo para você evitar a
todo custo o chulé.
Ao se estapear, seus braços em movimento estimulam a visão do inseto.
Os olhos dos mosquitos são compostos de centenas de lentes que não
conseguem focar uma imagem. Tudo o que o animal faz é fixá-las em um
ponto de luz e usá-lo como referência. Por esse motivo, pessoas com pele
clara – que refletem mais luz – são mais atacadas. Eles também fogem de
sombras ou objetos escuros, como a do chinelo que você pegou e com o
qual tenta pateticamente acertá-lo. O mosquito chega próximo o
suficiente da pessoa para sentir o calor do seu corpo e atacar a região
mais quente: onde há pele descoberta. “Ele reage automaticamente a
estímulos como calor, cheiro e pressão do ar”, diz Spielman. “É como se o
mosquito pensasse com a pele.”
O ataque é cirúrgico. Com duas lâminas, ele corta a pele da vítima e
espalha uma saliva com substâncias que inibem a reação do seu corpo para
estancar o sangramento. Em menos de 90 segundos, um mosquito consegue
absorver entre duas a três vezes o próprio peso em sangue. Logo em
seguida, arrasta-se até um lugar seguro. Lá, realiza um dos maiores
feitos de digestão do mundo animal: durante 45 minutos, elimina os
líquidos do sangue sob forma de urina – é verdade: mosquito faz xixi –
e, depois disso, acumula energia suficiente para pôr cerca de 240 ovos
em águas paradas e sujas. As larvas do Culex têm estratégias para
escapar de predadores como besouros e mariposas. Elas conseguem perceber
a sombra desses animais e afundar, camuflando-se no fundo da água. O
mesmo não acontece com outros mosquitos, como o Aedes aegypti,
transmissor da dengue, que precisa de lugares protegidos como buracos de
árvore, pneus velhos ou garrafas cheias de água.
Durante a refeição, o mosquito absorve não só o sangue, mas também
qualquer parasita que esteja nele, que pode se desenvolver dentro do
corpo do inseto.
Apesar de causar tanta destruição em animais grandes como nós, os
mosquitos, com seu tamanho insignificante, permanecem incólumes às
doenças que transmitem. Eles continuam picando outras pessoas,
espalhando a doença e até adquirindo novos parasitas, o que facilita
ainda mais a dispersão de epidemias. “Não há nada pior que um mosquito
velho".
A história
Há 20 000 ou 30 000 anos, quando as sociedades humanas não passavam
de pequenas tribos isoladas, as epidemias tinham um impacto localizado:
ou dizimavam a população inteira ou davam imunidade (ao menos parcial)
aos que sobreviviam. Quando o homem começou a comerciar e a guerrear em
lugares distantes, viajantes que não tinham imunidade logo descobriram a
dureza que era sobreviver em terras estrangeiras. Durante o Império
Romano, por exemplo, qualquer estrangeiro que passasse o verão na Itália
corria o risco de ser contaminado pela malária. Os exércitos que
tentavam cercar Roma perdiam facilmente metade de seus homens para as
doenças. As enfermidades também podiam ser transportadas para lugares
distantes. Os mesmos navios que trouxeram os escravos da África para a
América levaram os mosquitos que transmitem a febre amarela, a malária e
a dengue .
Até o final do século XIX, ninguém acreditava que seres tão
insignificantes pudessem causar tanto estrago. Alguns exploradores
associaram doenças como a malária a lugares com água suja e parada.
“Acreditava-se, na época, que esses males eram provocados por ‘miasmas’,
emanações ‘insalobras’ do solo e do ar”, afirma o epidemiologista Arary
da Cruz Tiriba, da Universidade Federal de São Paulo. A palavra
malária, por exemplo, vem da expressão italiana para “mau ar”. Sem a
menor idéia de como essas doenças poderiam ser controladas, os europeus
do século XIX não conseguiam dominar completamente o interior de suas
colônias africanas. Já os negros, que nasceram ali e desenvolveram
imunidade ao menos parcial, transitavam por lá sem nenhum problema. Ao
tentar achar um motivo para essas diferenças, os britânicos lançaram a
hipótese de que os cérebros europeus eram “mais delicados” e, por isso,
sofriam com o sol dos trópicos. Por esse motivo, começaram a utilizar os
chapéus típicos de exploradores britânicos.
Alguns suspeitavam que o contato com os negros poderia ter alguma
influência e construíram casas separadas, aumentando a segregação racial
que dura até hoje em várias ex-colônias.
Foi o médico cubano Carlos Finlay, em 1880, quem descobriu que os
mosquitos podiam transmitir doenças. Poucas pessoas levaram a hipótese a
sério até 1900, quando tropas americanas em Cuba sofreram diversas
baixas devido à febre amarela. Uma equipe chefiada pelo médico Walter
Reed analisou os casos da doença e conseguiu provas de que a teoria de
Finlay estava correta. A partir daí, os esforços se voltaram para
combater os mosquitos, o que não só eliminou a febre amarela da capital
de Cuba como permitiu que os americanos terminassem o Canal do Panamá,
em 1914. A gigantesca obra de engenharia que ligaria o Oceano Atlântico e
o Pacífico havia sido iniciada pelos franceses em 1881. Mas a malária e
a febre amarela infectaram 30% da mão-de-obra tornando o projeto
praticamente inviável. Os americanos retomaram o trabalho e, com a ajuda
de membros da equipe de Reed, conseguiram reduzir esse número para 2%.
Apesar desse sucesso, muitas pessoas ainda acreditavam nos miasmas e
ridicularizavam os esforços públicos para combater os pequenos insetos
voadores. As primeiras evidências de que o combate ao mosquito era
realmente eficaz para eliminar doenças em um vasto território veio do
Brasil. O médico Oswaldo Cruz formou brigadas para combater os insetos
e, mesmo sob protestos da população, conseguiu erradicar, em 1907, a
febre amarela do Rio de Janeiro. Em 1940, o médico americano Fred Soper
destruiu criadouros e espalhou larvicidas e inseticidas para eliminar do
Brasil o Anopheles gambiae, o maior transmissor de malária do mundo.
Logo em seguida, Soper foi mandado para combater as doenças nos
acampamentos da Segunda Guerra Mundial, onde tornou-se o primeiro a
verificar a eficácia de uma nova arma no combate aos insetos, o
dicloro-difenil-tricloroetano, mais conhecido como DDT. Esse inseticida
mostrou ser tão eficaz no combate aos insetos que logo passou a ser
amplamente utilizado em todo o mundo.
No entanto, descobriu-se depois que a substância também afetava
peixes, aves e outros animais além dos insetos. Para piorar, os
mosquitos tornavam-se resistentes à substância em poucos anos. Por esses
motivos, o DDT foi banido em quase todos os continentes.
Nenhum cientista de bom senso acredita que um dia chegaremos a
eliminar em definitivo os mosquitos. Eles são tantos e tão variados que é
praticamente impossível exterminá-los. Algumas espécies são capazes de
voar a milhares de metros de altura; outras são tão resistentes que
chegam a sobreviver em locais de temperaturas tão gélidas e secas quanto
o ártico ou tão úmidas e quentes quanto uma floresta tropical. Além
disso, os cientistas ainda têm muitas questões sem resposta em relação
aos mosquitos. Não se sabe, por exemplo, como eles distinguem o ser
humano de outros animais, nem por que as espécies transmitem
determinadas doenças e são imunes a outras.
Há quem pensa alterar os mosquitos geneticamente para impedir que
transmitam doenças. Diversas equipes ao redor do mundo estão tentando
modificar a sua programação genética para criar variações que não possam
carregar parasitas. Se um grande número desses mosquitos modificados
for lançado no ambiente, é possível que os genes se espalhem por toda a
população desses animais e eles se tornem incapazes de fazer com que
novas epidemias se alastrem.
Por enquanto, as medidas de maior sucesso ainda são alguns
inseticidas e a destruição dos lugares em que eles se reproduzem. Até
que uma solução definitiva apareça, qualquer descuido pode ser fatal.
Que o digam as mais de 120 000 vítimas de dengue registradas no Estado
do Rio de Janeiro até o fechamento dessa edição.
Conheça as principais espécies de mosquitos e as doenças que eles transmitem
PRINCIPAL TRANSMISSOR - Aedes aegypti ou pernilongo-rajado, por ter o corpo todo preto com linhas e articulações
brancas. Tem asas claras e translúcidas. Costuma picar nas primeiras horas da manhã e nas últimas da tarde. Há suspeitas de que alguns ataquem também durante a noite.
SINTOMAS-
A dengue ela causa febre, dores no corpo (predominantemente musculares), dores de cabeça e nos olhos,
falta de ar, manchas na pele e indisposição. Em casos mais graves, a
dengue pode provocar hemorragias, que, por sua vez, podem ocasionar
óbito.
A chikungunya
também causa febre e dores no corpo, mas as dores concentram-se
principalmente nas articulações. Alguns sintomas da chikungunya duram em
torno de duas semanas; todavia, as dores articulares podem permanecer
por vários meses. Casos de morte são muito raros, mas a doença, em
virtude da persistência da dor, afeta bastante a qualidade de vida do
paciente.
A febre zika, febre mais baixa que a da dengue e chikungunya,
olhos avermelhados e coceira característica. Em virtude desses sintomas,
muitas vezes a doença é confundida com alergia. Normalmente a zika não
causa morte, e os sintomas não duram mais que sete dias. Vale frisar, no
entanto, que a febre zika relaciona-se com uma síndrome neurológica que
causa paralisia, a Síndrome de Guillain-Barré, e também com casos de microcefalia.
A Febre amarela, geralmente, quem contrai este vírus não chega a apresentar sintomas ou os mesmos são muito fracos. As primeiras manifestações da doença são repentinas: febre alta, calafrios, cansaço, dor de cabeça, dor muscular, náuseas e vômitos por cerca de três dias
A Febre amarela, geralmente, quem contrai este vírus não chega a apresentar sintomas ou os mesmos são muito fracos. As primeiras manifestações da doença são repentinas: febre alta, calafrios, cansaço, dor de cabeça, dor muscular, náuseas e vômitos por cerca de três dias
DOENÇA - Malária
PRINCIPAL TRANSMISSOR - Anopheles Tem o corpo amarronzado e três longos aparelhos bucais na cabeça. Pousa com o corpo inclinado
SINTOMAS - Dores musculares e de cabeça, febre, calafrios, náusea,
suor excessivo e, nos casos mais graves, deterioração dos rins e
convulsões
PRINCIPAL TRANSMISSOR - Culex pipiens Conhecido como mosquito doméstico tropical, alimenta-se durante a noite
SINTOMAS - Larvas no sistema linfático e, em alguns casos, elefantíase nos braços, pernas, seios ou genitais
DOENÇA - Leishmaniose
PRINCIPAL TRANSMISSOR - Flebótomos Também chamado de mosquito-palha, tem asas grandes e pernas compridas
SINTOMAS - Há quatro tipos, cada uma com sintomas diferentes, que vão
de úlceras na pele a destruição de membranas, mucosas, febres e anemia
DOENÇA - Oncocercose (Cegueira dos rios)
PRINCIPAL TRANSMISSOR - Simuliídeos Chamados de borrachudos, têm até 6 milímetros de comprimento e costumam picar durante o dia
SINTOMAS - Lesões oculares, cegueira, vertigem, tosse, elefantíase nos genitais, coceiras e despigmentação da pele
Na livraria
Mosquito - A Natural History of Our Most Persistent And Deadly Foe, Andrew Spielman e Michael D’Antonio, Hyperion, 2001
Referência
who.int/health-topics/idindex.htm / cdc.gov/ncidod/diseases/index.htm/ fiocruz.br / superabril/ g1.globo.com/ mundoeducacao.bol.uol.com.br
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