O mais importante é saber e acompanhar o que os próprios nacionais pensam ou fazem, em numerosos casos dilapidando os recursos naturais ou os utilizando de forma irracional. Campeão em estoque de água doce do mundo, o Brasil é medíocre no seu manejo.
Estima-se que 1,5 bilhão de seres humanos já não disponham
de água suficiente para suas necessidades essenciais. Significa que de cada 5
habitantes da Terra, um não tem água nem para beber. Esse contingente, que é
superior à população do maior de todos os países pelo critério demográfico, a
China, vai precisar resolver esse problema vital de alguma maneira. Pela via
pacífica ou através da força. A próxima guerra será pela água, anuncia um
número crescente de profetas, baseados mais na correlação lógica de fatores do
que numa análise minuciosa e específica das situações.
Este é o mesmo método que utilizam para apontar o sítio
dessa próxima guerra: a Amazônia. Nada mais lógico: a bacia amazônica, que se
espraia por nove países da América do Sul, mas tem dois terços das suas águas
drenadas no território do Brasil, representa 68% da massa de água doce
superficial do nosso país e de 8% a 25% (conforme as diferentes avaliações) do
total do planeta. Com uma área de sete milhões de quilômetros quadrados, é 10 vezes
maior do que toda a América Central. Sua principal riqueza ou está escondida no
subsolo, em depósitos de minérios, vários deles já em exploração ou mesmo
exauridos, ou na sua floresta tropical, um terço do que ainda existe dessa mata
primária sobre a superfície terrestre. E a mais rica em biodiversidade. Um
tesouro difícil de ser protegido, sujeito a todas as formas de roubo.
A mais nova modalidade seria o saque ao bem mais massivo e de fácil apropriação. Seguidas denúncias, apregoadas pelas vozes mais distintas, têm assegurado que já seria "assustador" o tráfico de água doce da Amazônia para o exterior. O alerta mais recente foi feito no final do ano passado pela revista jurídica Consulex, editada em São Paulo. Ela garantia que algumas empresas já praticam com desenvoltura essa forma de roubo, que já tem pelo menos três denominações: hidropirataria, bioinvasão e biopirataria.
A mais nova modalidade seria o saque ao bem mais massivo e de fácil apropriação. Seguidas denúncias, apregoadas pelas vozes mais distintas, têm assegurado que já seria "assustador" o tráfico de água doce da Amazônia para o exterior. O alerta mais recente foi feito no final do ano passado pela revista jurídica Consulex, editada em São Paulo. Ela garantia que algumas empresas já praticam com desenvoltura essa forma de roubo, que já tem pelo menos três denominações: hidropirataria, bioinvasão e biopirataria.
Uma advogada ouvida pela revista diz que, praticando esse
comércio ilegal, haveria navios com capacidade de armazenar 250 milhões de
litros (ou 250 mil metros cúbicos) de água, que uma empresa da Noruega
forneceria para clientes na Grécia, Oriente Médio, Ilha da Madeira e Caribe.
Por sair pela metade do custo da dessalinização, o roubo de água teria se
tornado atraente no comércio com países carentes de água doce superficial.
Tecnologias foram criadas para a retirada da água e o seu transporte, não só
nos porões dos super-graneleiros, que transitam constantemente pela Amazônia
como em balsas de água, puxadas por rebocadores convencionais.
A matéria da revista é rica em detalhes e conjecturas, mas
não o bastante para convencer sobre o que relata, ecoando denúncias já
numerosas. Claro que o acervo de água da Amazônia é questão transcendental.
Exige atenção, seriedade, prioridade e investimentos. Todos esses elementos são
de enorme deficiência atualmente. O Brasil tem mais de 120 comitês de bacia. Só
um deles fica na Amazônia e tem ação urbana, na cidade de Manaus. É um
despropósito paradoxal com o significado mundial da bacia amazônica.
Até agora, não há nenhum caso comprovado de roubo de água
amazônica em território nacional, incluindo o mar de 200 milhas. Os grandes
navios (1.200 por ano, dos quais pelo menos 200 fazem viagens constantes)
entram na região em busca de outros recursos naturais, principalmente minérios
e madeira, atracando em sete portos de grande ou mais significativa
movimentação (Belém, Vila do Conde, Santarém, Oriximiná, Juruti, Óbidos e
Jari). Não têm espaço característico - nem tonelagem necessária - para acumular
água - e em escala comercial.
A única área que poderia proporcionar essa pirataria seria a
foz do Amazonas, onde está a maior ilha fluvial do mundo, a de Marajó, com 50
mil quilômetros quadrados. Nesse delta, o grande rio chega a despejar mais de
200 milhões de litros (ou 200 mil metros cúbicos) de água por segundo, no auge
da cheia. Não há qualquer caso concreto de um super-petroleiro que tenha
estacionado nesse local para se abastecer de um volume como os 250 milhões de
litros citados, com o propósito de transportá-los e vendê-los. Pode parecer
muito, mas esse volume de água equivale a menos de meio segundo de descarga na
vazão máxima natural que o rio Tocantins já alcançou no local onde foi
construída a barragem da hidrelétrica de Tucuruí, a quarta maior do mundo, em
1980.
Não parece um grande negócio, capaz de justificar o
investimento e o risco, ainda que o patrulhamento da costa amazônica seja
deficiente (o que induziu no projeto de criação da nova esquadra da Marinha,
prevista para ter sua sede em São Luís do Maranhão e não em Belém, como
pareceria mais lógico pela tradição histórica, se não houvesse limitações de
calado em sua área, além de outras questões estratégicas e econômicas).
A Capitania dos Portos do Pará assegura que fiscaliza todos
os navios que entram e saem da região e que, por amostragem, acompanha a
qualidade da água que carregam em seus porões como lastro. As normas
internacionais autorizam as embarcações a se desfazer da água que estocam em
seu interior para lhes dar equilíbrio e repor esse volume no local de chegada
para manter sua condição de flutuabilidade. É prática comum e nada tem a ver
com objetivo comercial ou mesmo roubo com objetivo científico.
A água que o Amazonas despeja no Oceano Atlântico, depois de
percorrer 6.500 quilômetros a acumular sedimentos pelo seu trajeto, é rica em
material particulado em suspensão. Mas qualquer pequena coleta pode ser
suficiente para um estudo completo sobre o que contém - e isso é feito por
meios legais, normais e saudáveis (embora não na escala recomendável).
Justamente por arrastar tanta matéria orgânica, sua estocagem em grande escala
num porão de navio provocaria a deposição de lodo no fundo. O menor dos seus
efeitos seria desfavorecer a comercialização da água na forma de produto
potável. Quanto ao uso para outros fins, pelo menos para a costa dos Estados
Unidos o Amazonas já dá sua contribuição em larga escala e gratuita. Avançando
até 100 quilômetros no oceano, suas águas derivam para o norte pela força da
corrente marítima (o Gulf-Stream). Segundo alguns, pode chegar até o litoral da
Flórida. Fenômeno que leva alguns autores a, nem sempre de forma bem humorada,
como convinha, acusar o grande rio de ser entreguista.
Se não é para nos roubar água potável, então essa pirataria
seria para recolher água rica em nutrientes para algum objetivo ainda não
identificado (e, talvez, jamais identificável, por irreal). Por enquanto,
considerando o que se sabe sobre o que a água do Amazonas contém, não dá nem
para supor qual seria esse propósito oculto ou misterioso. O campo ainda está
aberto à imaginação e à especulação. Para delimitá-lo, a melhor atitude para o
bem do país é, sem deixar de se manter atento, investir no conhecimento dos
nacionais sobre sua própria riqueza, ao invés de ir atrás do bloco da
conspiração e da fantasmagoria. Com evoluções ao meio-dia.
O Brasil deve acompanhar com atenção e sempre com
atualização o que pensam (e o que fazem) os estrangeiros sobre a - e na -
Amazônia. Dispondo de mais recursos e com objetivos mais bem definidos, eles
podem servir de espelho para refletir melhor o que os brasileiros e, em
particular, os amazônidas, nem sempre conseguem ver, por falta de meios
humanos, técnicos e científicos equivalentes.
O mais importante, porém, é saber e acompanhar o que os próprios
nacionais pensam ou fazem, em numerosos casos dilapidando os recursos naturais
ou os utilizando de forma irracional. Campeão em estoque de água doce do mundo,
o Brasil é medíocre no seu manejo. Em Belém, a metrópole da Amazônia, que, por
sua localização, serve de porta de entrada à região, um dos problemas que sua
população -de quase 1,5 milhão de habitantes- enfrenta é a falta de água para
beber com qualidade comprovada ou mesmo crível, apesar da vasta massa de água
que forma o estuário onde a cidade se situa. Este é o triste paradoxo atual,
cuja visualização e compreensão as sempre vivas teorias conspirativas
dificultam.
fonte: Lucio Flávio/ ecoagencia
https://edsonjnovaes.wordpress.com/2015/02/04/trafico-de-aguas/
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