A história da ocupação da Amazônia brasileira tem sido triste, mas ainda há tempo para construir um final feliz. A Amazônia não precisa de obras faraônicas para se desenvolver.
A Amazônia brasileira está sendo devorada
pelas beiradas – e a uma
velocidade muito grande. Somando todos os buracos feitos na floresta
nos últimos 50 anos, uma área correspondente a 14% da sua cobertura original já
desapareceu. Pode não parecer tão assustador assim, mas se levarmos em conta
que a Amazônia tem cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, o resultado é que
uma área equivalente à França foi consumida. Os desmatamentos acontecem
principalmente nos Estados de Rondônia, Mato Grosso e Pará – servidos por estradas que ligam aos mercados do
sul do país. Juntos, eles são responsáveis por 80% das árvores derrubadas na região. E nem
toda a pressão que os ecologistas têm feito nos últimos anos serviu para
impedir o avanço de motosserras e queimadas. Ao contrário: a destruição da
Amazônia cresceu 15% em 2000, quando uma área de 17 000 quilômetros quadrados
foi destruída – área
equivalente a Israel.
Se o ritmo da devastação não diminuir
rapidamente, em apenas 30 anos o estrago feito na floresta vai dobrar. Uma das
causas desse aumento na velocidade da devastação está no uso de tecnologia de
ponta para cortar as árvores. Motosserras potentes, imensos tratores e
caminhões, arrasam hectares de florestas em poucos dias. Mas a causa principal,
segundo os ecologistas, está na falta de uma política de desenvolvimento
sustentável da Amazônia por parte do governo. É verdade que vários parques
nacionais e reservas indígenas foram criados na última década, mas isso não
evita a destruição nas áreas que não foram legalmente protegidas. O Brasil
continua a cometer o erro grosseiro de desmatar para extrair madeira ou formar
pastagens, eliminando a riqueza de uma das maiores biodiversidades de bichos e
plantas que o planeta já reuniu num só lugar.
PAREM AS MÁQUINAS
O desmatamento da
floresta traz consigo uma série de efeitos perversos:
- Extinção de espécies de bichos e plantas;
- Destruição de áreas indígenas;
- Empobrecimento do solo;
- Aumento da emissão de gás carbono na atmosfera, contribuindo para o efeito estufa;
É uma tragédia de muitas faces. Para
acabar com ela, a primeira coisa a fazer é reformular a ideia de que a
Amazônia é um manancial inesgotável e sem dono, criada na década de 70
para estimular o povoamento da região. Depois de décadas de projetos errados
formulados por tecnocratas, hoje os brasileiros precisam admitir que muita
coisa errada foi feita. E, principalmente, precisam evitar que os mesmos erros
sejam cometidos de novo. O que acontece hoje, porém, indica que a lição não foi
totalmente aprendida.
Uma projeção do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (Inpa) estima que a abertura de uma única estrada gera um desmatamento que
se alastra, em média, de 50 a até 200 quilômetros mata adentro, em ambos
os lados da rodovia. Isso acontece devido à facilidade de escoamento da madeira
cortada. Basta ver o que aconteceu ao longo das rodovias Transamazônica e Belém–Brasília. Dezenas de cidades surgiram ao longo
desses dois eixos, alimentadas principalmente por madeireiras e serrarias.
Estudos recentes revelam que, nos últimos
dez anos, as áreas que obedecem às regras de manejo passaram de zero para
aproximadamente 1 milhão de hectares. É um avanço importante, embora ainda
haja muito o que fazer. Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE),
80% da exploração madeireira amazônica continua sendo realizada ilegalmente.
Isso significa dizer que, dos 28 milhões de metros cúbicos de toras arrancados
anualmente da floresta, apenas 4 milhões vêm de áreas manejadas. Pior: os
brasileiros das cidades têm boa parcela de culpa. As madeiras certificadas são
exportadas para os mercados europeu e americano, enquanto as regiões Sul e
Sudeste do Brasil recebem 90% da madeira ilegalmente extraída. Isso significa
que, para acabar de vez com a extração ilegal da madeira, será preciso
fiscalizar de perto as serrarias da Região Sudeste do país, impedindo que
comprem madeira sem certificação de origem.
DONOS DO PEDAÇO
O que acontece quando motosserras e
tratores invadem as terras dos povos que são os mais antigos inquilinos da
mata? O conflito é inevitável.
FRONTEIRA AGROPECUÁRIA
Um dos resultados da política de derrubada da floresta para a formação de pastagens foi a criação de imensas propriedades rurais com baixa produtividade e geração de poucos empregos. É uma concentração de terra anacrônica, que vai contra tudo o que já se aprendeu sobre o valor social da terra e a necessidade de aproveitar racionalmente os recursos naturais.
Um dos resultados da política de derrubada da floresta para a formação de pastagens foi a criação de imensas propriedades rurais com baixa produtividade e geração de poucos empregos. É uma concentração de terra anacrônica, que vai contra tudo o que já se aprendeu sobre o valor social da terra e a necessidade de aproveitar racionalmente os recursos naturais.
SUBSOLO VALIOSO
É uma ilusão imaginar que os imensos
recursos minerais da região ficarão intocados. O valor dos minérios já
conhecidos no subsolo da floresta ultrapassa os 7 trilhões de dólares – e os técnicos acreditam que isso corresponde a
apenas uma parte do que existe realmente. A região também é rica em petróleo.
As reservas já prospectadas valem algo em torno de 3,6 trilhões de dólares e,
novamente, há muito mais petróleo para ser descoberto. O grande desafio, no
futuro, será o de explorar essas riquezas sem precisar desmatar. Hoje, grandes
mineradoras, como Vale– que opera na
maior mina de minério de ferro do mundo, no complexo de Carajás, no Pará –, já reduziram o impacto da atividade, além de
tomar medidas compensatórias para as comunidades afetadas. A empresa
reconstituiu mais de 20 000 hectares de floresta depois de abrir imensas
crateras na mata. Ela repôs a terra extraída do buraco e replantou as mesmas
espécies de árvores que existiam na região antes do desmatamento. A
reconstituição demora 20 anos, custa cara , mas é possível e está sendo
feita. Graças a essa nova fase da mineração industrial, hoje o garimpeiro
artesanal passou a ser um problema maior que as grandes mineradoras. O
garimpeiro solitário age sem fiscalização e pautado pelo instinto de
sobrevivência. Na sua lógica, é ele ou a floresta. Por isso, usa elementos
como o mercúrio para a extração, poluindo os rios da região. Além disso, invade
terras indígenas e ribeirinhas, levando consigo prostituição, jogo, alcoolismo
e drogas. Por isso, é um dos principais fatores da desestabilização social
das pequenas comunidades da floresta. Mais uma vez, a solução pode estar na
obrigatoriedade de certificação do ouro que sai da floresta. É um problema
de solução difícil, porque esse ouro pode ser facilmente contrabandeado para
países vizinhos, mas que precisa ser enfrentado rapidamente.
A verdadeira internacionalização da Floresta
Amazônica precisa ser combatida.
FRUTOS DA MATA
O conhecimento dos pontos fracos e das potencialidades da floresta é, certamente, a única maneira de explorá-la sem destruí-la. Isso fica claro quando se analisa o potencial da biodiversidade da floresta. Estima-se que a Amazônia esconda 10.000 substâncias que, no futuro, terão grande valor para as indústrias química e farmacêutica.
O conhecimento dos pontos fracos e das potencialidades da floresta é, certamente, a única maneira de explorá-la sem destruí-la. Isso fica claro quando se analisa o potencial da biodiversidade da floresta. Estima-se que a Amazônia esconda 10.000 substâncias que, no futuro, terão grande valor para as indústrias química e farmacêutica.
E uma opção mais evidente é do
ecoturismo. Os chamados “hotéis de selva”, que hoje estão concentrados
principalmente às margens do rio Negro, nas proximidades de Manaus, atraem cada
vez mais turistas estrangeiros e são a maior prova de que o turismo pode ajudar
o desenvolvimento da floresta de forma sustentável. Mais uma vez, fica provado
que a floresta em pé vale muito mais do que no chão.
A AMAZÔNIA QUE REAGE
Bancados por verbas do governo, fundos
internacionais, ONGs e empresas privadas, cresce o número de projetos que
tentam impedir o desmatamento da floresta, criar e demarcar parques e
reservas indígenas e explorar de maneira sustentável os imensos recursos da
região.
1. Bom exemplo
O Amapá foi o primeiro Estado a demarcar
todas as terras indígenas. Em 1999, criou uma universidade sobre meio
ambiente e um hotel-escola para ensinar o ecoturismo.
2. Peças de coco
Na ilha de Marajó, a montadora alemã
DaimlerChrysler se uniu aos extrativistas de coco para fabricar componentes de
fibra de coco para veículos Mercedes Benz.
3. Satélite bombeiro
Há três anos o governo do Mato Grosso usa
fotos de satélite para licenciar e fiscalizar as fazendas. Com isso, conseguiu
diminuir o desmatamento no Estado em 24%.
4. Mais reservas
Um fundo da ONU e o Instituto Pró-Natura
auxiliam sete cidades do Mato Grosso a criar unidades de conservação e a
implantar técnicas de manejo sustentável.
5. Atrás do prejuízo
Rondônia é campeão em destruição da
floresta, com 25% do território desmatado. Nos últimos anos, porém, tenta mudar
essa imagem. Já criou 51 unidades de conservação e 22 reservas indígenas para
estancar a devastação.
6. Pneu ecológico
O pneu Xapuri, criado pela Pirelli a partir
do látex da região natal de Chico Mendes, no Acre, quer incentivar a extração
sustentável pelos seringueiros.
7. Plano cobra
A parceria entre Brasil e Colômbia,
envolvendo Polícia Federal e Exército para combater o narcotráfico e o
contrabando, vem apresentando bons resultados.
8. Cesta express
A Federação das Organizações Indígenas do
rio Negro ajuda 11 tribos de índios baniwas a vender em São Paulo sua
tradicional cestaria. São 20 dias de transporte, incluindo canoas.
9. Avenida verde
A criação dos parques e reservas de Jaú,
Amanã e Mamirauá formou um dos maiores corredores ecológicos do planeta, com 67
000 quilômetros quadrados.
10. Índios na estrada
11. Projeto tartaruga
Em Parintins, o Ibama e 26 comunidades
ribeirinhas se uniram num programa de salvação para as tartarugas
amazônicas. O projeto aumentou a população dos bichos cinco vezes em três anos.
EXISTE UMA SOLUÇÃO PARA A AMAZÔNIA?
Há várias soluções para a Amazônia e
nenhuma delas é simples. Afinal, uma região com tamanha diversidade, não
só ecológica mas também social, exige uma abordagem também diversificada.
É preciso encontrar soluções diferentes para problemas diferentes.
O QUE FAZER, ENTÃO?
Os investimentos precisam gerar benefícios
para as comunidades locais: empregos, renda, consumo, poupança. Além disso,
precisam contemplar tanto os povos da floresta quanto a população urbana das
capitais e grandes cidades, onde vive a maior parte da população mas com
enormes deficiências estruturais. É triste constatar, por exemplo, que
cidades como Manaus, Belém ou Cuiabá precisam receber hortaliças como alface e
tomate, que chegam de avião, de São Paulo.
E DE QUE MANEIRA MUDAR O ENFOQUE DOS INVESTIMENTOS?
Em vez de construir novas estradas, seria
melhor se o governo priorizasse a melhoria das estradas secundárias que ligam
pequenas comunidades. Isso incrementaria o intercâmbio comercial e o
abastecimento entre as regiões. O pequeno agricultor faria seus produtos chegar
aos consumidores, melhorando sua renda familiar. Outro exemplo: um simples
aparelho radiotransmissor, alimentado por painel solar, pode mudar o panorama
de miséria de um povoado porque a comunicação cria oportunidades de negócios,
melhora a distribuição de renda e diminui as taxas de mortalidade. E
é muito mais barato instalar radiotransmissores nas 20 000 comunidades da
Amazônia do que implantar uma hidrovia que servirá mais às madeireiras do que à
população.
E AS GRANDES CULTURAS DE SOJA QUE SE INSTALARAM NO PARÁ E NO SUL
DO AMAZONAS? ELAS PODEM GERAR RIQUEZA E OS EMPREGOS QUE A REGIÃO PRECISA?
A soja não vai dar certo no cerrado
amazônico. Os fazendeiros acharam que poderiam repetir, na Amazônia, o sucesso
que a soja teve no Centro-Oeste. Mas o excesso de umidade do solo e o intenso
regime de chuvas facilitam o surgimento de pragas que inviabilizam sua
produção. Foi mais um erro de investimento e com uma ironia histórica: o Estado
já foi chamado de Grão-Pará, que significa “grande Pará”; agora corre o risco
de se tornar o “Pará-grão”, com florestas destruídas para dar lugar a uma soja
de má qualidade.
Fonte: revista superinteressante.
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